Perto do fim (publicado originalmente em 15/1/2013)
Clint Eastwood foi feliz ao rodar ‘Além da Vida’ (2010) com tsunami de seis anos antes como pano de fundo. Trabalho surpreende não pela qualidade – sabemos as de Clint –, mas por nos tocar e emocionar com costura de personagens envoltos naqueles problemas sem solução. Lidar com mortes em cinema pode ser ultrajante, porém neste caso não. Há outro assim. ‘O Impossível’ (2012) é destes produtos valiosos e com repercussão. De realização espanhola, ou melhor, catalã, pois o diretor Juan Antonio Bayona é de Barcelona, a fita narra a tragédia real da família Alvarez Belón, daquele país. As cinco pessoas do clã– Maria (Naomi Watts), Henry (Ewan McGreggor), Lucas (Tom Holland), Simon (Oaklee Pandergast) e Thomas (Samuel Joslin)– passam as férias no paraíso da Tailândia. Em 26 de dezembro de 2004, o desastre aquático atinge o local e eles se separam. É, então, que engrena a fita.
A reprodução da calamidade que matou 300 mil pessoas e deixou milhões desabrigadas é, ao cinema, de um requinte apurado, tal a explosão das imagens. Os filhos e o pai na piscina, a mãe ali na cadeira lendo, quando escapa uma página e ela vai atrás. Grudada no vidro, Maria é a que mais pena. Passam as águas e fica o sangue. Aí entra o show de roteiro, atuação e maquiagem, além de mágicos efeitos especiais. Maria e Lucas se encontram e pensam estar morto o restante da família. A tamanha peregrinação rumo ao destino incerto (eles estão isolados, mal sabem onde está tudo, pois a lama e a água cobrem o território) é feita à base de dor. Mãe e filho encontram Daniel (Johan Sundberg), loiro e afável, talvez o anjo órfão. O trio se perde, todavia são acudidos finalmente pela população local. A mais periclitante situação é a de Maria. Bastante ferida, a médica resume em si a aflição do planeta.
Os destaques de ‘O Impossível’ são, sem qualquer ranço de dúvidas, Naomi Watts e Holland. A atriz, macaca-velha de filmes deste naipe (’21 Gramas’-2003 é um exemplo), não nos admira tanto, pois costuma trabalhar direitinho, conforme a máquina anda. Profissional que necessita de diretor a atuar regularmente, Naomi impressiona pela categoria. A angústia está em seu rosto e o berro que a personagem dá em determinado momento serve como o alívio indignado, por estar viva, mas sem os seus amores maiores. Sobre Tom Holland é preciso esclarecer se tratar do primeiro trabalho dele na sétima arte. Na telona, estupendo seria razoável afirmar acerca de sua atuação. Na medida em que a história avança, Lucas sobe degraus de excelência. Inexperiente, claro, em lidar com casos trágicos, e ainda sendo a própria mãe como a principal vítima, ele se desenvolve bem e causa comoção em nós.
Apesar do desfecho previsível (é bom lembrar que se trata de relatos reais) espumar na nossa mente, pois finais felizes nas circunstâncias do roteiro cheiram a mel, o diretor J. Bayona arma boas performances em uma estrutura declaradamente estrondosa. O sentimento de estar perto do fim, de morrer a qualquer instante e ter de saber disto tudo, ou seja, com consciência, é um tanto maligno e deturpador. ‘O Impossível’ é espetacular, bom de se ver – é o cinema legítimo estampado – e mostra-nos um pouco mais do flagelo que foi o tsunami, inclusive fazendo desta palavra sinônimo de coisas desgraçadas, acidentais e inflamadas. Geraldine Chaplin, uma das filhas do cineasta famoso, faz uma ponta como uma velha senhora que conversa com Thomas sobre a idade das estrelas. Cativante, aos 68 anos, os olhos azuis fazem de Geraldine outro símbolo do longa-metragem. E.McGreggor só soma aos trabalhos e abre espaço aos verdadeiros protagonistas: Naomi e Holland, os destaques absolutos.