O feito de Lee (publicado originalmente em 8/1/2013)
Ver ‘As Aventuras de Pi’, lançado no fim do ano passado, e lembrar-se de ‘Náufrago’ (2000), ‘Peixe Grande e suas Histórias Maravilhosas’ (2003), ‘Titanic’ (97), ‘Quem Quer ser um Milionário?’ (2008) e ‘Em Busca da Terra do Nunca’ (2004) é chover no molhado. Cheio de referências, o longa-metragem tem direção apurada de Ang Lee (de ‘O Segredo de Brokeback Mountain’ – 2005) e roteiro de David Magee (de ‘Em Busca...’), baseado no livro de Yann Martel. Aliás, Yann Martel inspirou-se no escritor brasileiro Moacyr Scliar para escrever ‘As Aventuras de Pi’. Foi do livro ‘Max e os Felinos’ a principal contribuição às histórias extraordinárias do garoto com nome de piscina, apelido pensado na matemática e uma memória magnânima. Na telona, um show de efeitos especiais de qualidade e a preparação categórica de atores e atrizes vindos da Índia, e tudo isto ligado aos encantos, à beleza de fotografia e ao carisma dum tigre modelado em computador, com nome de cientista: Richard Parker.
O filme conta, através das confissões do adulto Piscine Patel (Irrfan Khan) ao amigo escritor (Rafe Spall), a trajetória da família dona dum zoológico na cidade indiana de Pondicherry. Com falta de dinheiro, o pai, Santosh (Adil Hussain), resolve ir com a esposa e os dois filhos ao Canadá tentar a sorte. Para tanto, embarcam – a família e os animais do zoológico – num navio fuleiro e a viagem é recheada de dramas e tragédias. Gérard Depardieu faz uma ponta como o cozinheiro mal educado da nau. É neste percurso que praticamente se desenvolve a fita. Uma forte tempestade vira o barco e Pi é o único sobrevivente. Bem, não o único. Sobram com ele o lobo, a macaca, a zebra e o tigre de nome elegante, já citado. Na medida em que a fome aperta e a vergonha afrouxa, o número de animais no barquinho diminui, bem entendido. Ficam Pi e o Richard Parker, um com receio do outro. O menino (Suraj Sharma, excelente) se vira para comer, beber, viver com o calor. Tudo ali fica muito arriscado.
O toque arrebatador reside na multiplicidade de cores. ‘As Aventuras de Pi’ consegue mesclar no espaço de um oceano, onde estão o barquinho e a canoa improvisada do protagonista, uma vasta porção de oportunidades. É diferente de ‘Náufrago’, por exemplo, que se desenrola numa ilha, assim, com área cheia de chances a Tom Hanks, mas também possui muita semelhança, uma vez que Pi tem raríssimas esperanças de encontrar ajuda. Pi só se agarra à água em volta. Como não morrer de sede, fome, inanição? A presença de Parker faz reviver, nele, todos os personagens imaginativos de ‘Peixe Grande’, filme de Tim Burton onde a fábula manda e desmanda. Acerca de ‘Titanic’ é desperdício ver o paralelo. Já ‘Em Busca da...’ nos remete, tal qual ‘As Aventuras de Pi’, ao nosso punhado criança e a cabeça sempre com incríveis tramas a contar. Enquanto o personagem de Spall fica boquiaberto com cada detalhe idílico do agora senhor Patel, nós ficamos com vontade de a história jamais ter um fim.
Cobrem-me depois, pois as indicações ao Oscar do mês que vem saem esta semana e tenho a certeza de que o longa figurará na lista dos finalistas de categorias como melhor filme, diretor, efeitos especiais, roteiro adaptado, ator (para Sharma), fotografia e a edição. Mais quesitos, me abstenho de opinar, porém podem surgir. E nestes apontados por mim (claro, não vi os demais concorrentes), ser favorito para ‘As Aventuras de Pi’ é, creio, nas categorias diretor, roteiro, fotografia, edição. Todavia, o interessante não são os prêmios, mas o legado a ser deixado. Parece que Ang Lee está disposto a, de novo, fazer história. É sempre bom lembrar que o cineasta taiwanês está em sua décima produção e assinou obras do quilate de ‘Razão e Sensibilidade’ (95) e ‘O Tigre e o Dragão’ (2000). A linha é certa.