Psicose de Hitchcock e justiça inevitável

Psicose de Hitchcock e justiça inevitável

Esse filme é uma pintura, mesmo que em preto e branco. Uma aula de cinema. Marion é uma bela secretária que acorda em um motel com seu amante. Trabalha em uma corretora de imóveis e tudo está perfeito em sua vida, faltando apenas uma coisa: dinheiro. Eis que surge um velho pomposo com muitos milhares de dólares em dinheiro e ela fica responsável por trocar isso em banco por um cheque. Ela assim tem tudo em sua mão e aproveita a oportunidade. Transgride o pecado do roubo, fugindo com seu carro para o mais longe que pode. Encontra o policial e assim com pressa corre em uma fuga frenética, envolvida pela trilha sonora mais intensa do cinema.

Tudo por dinheiro: esta é a moral do nosso tempo. Isso já falei em meu livro Crítica da Moral, e é a retirada da máscara de nossa atual sociedade. Marion (no livro Mary) então viaja mais um pouco e o policial que pediu seus documentos não a persegue mais. Ela encontra um Hotel e assim não percebe que o perigo lá é maior do que na cidade de onde veio, do Arizona. Bela e sedutora loura encontra naquele reduto não um descanso, mas o fim se seu sonho de bandida. No Bates ela se hospeda e assim conhece um rapaz esquisito (Norman Bates) que é refém de uma mãe controladora e tem a ocupação de ser embalsamador de animais. Todos os personagens do filme têm forte ligação com a mãe. Não desconfia ela que esse doce sujeito é o anjo da morte de seus planos asquerosos.

Nesse filme que nem é tão antigo, mas que por opção do Sr. Hithcock foi filmado em preto e branco, por causa da cena da faca no banheiro, haja vista evitar censura desse momento central. E foi mesmo, uma das cenas que marcaram a história do cinema. 12 quartos e 12 vagas. É como se a Marion encontrasse os apóstolos de seu Juízo Final. O capitalismo selvagem foi sobrepujado pelo instinto selvagem: psicose. Faz um lanche com o rapaz do hotel e acaba estando pronta para o sacrifício. Óculos e que ingere álcool, e já no filme colocaram um bom moço, bem mais jovem. Norman é no livro um senhor de meia idade, com Nações primitivas de canibais alimentavam bem suas vítimas. Norman Bates assim acaba com o crime perfeito da bela e atraente Marion.

O diretor usou caldo de chocolate para fazer o sangue da famosa cena do esfaqueamento, e na cena mesma teve uma dublê, não sendo a atriz que fez Marion (Janet Leigh). Também o efeito sonoro decorreu de uma faca enfiada em melão. Boatos dizem que ela nunca mais tomou banho de banheira, mas parecem ser apenas boatos. Na prática, o psicótico inverte valores de bem e de mal e não tem mais limites éticos. Puro instinto, puro uso da área do cérebro que neurologistas chamam de reptiliana. Mata, rouba e faz barbaridades sem qualquer emoção. E tudo pela ganância, pela avareza e o sagrado capitalismo e seus sonhos materialistas, alimentados por papel-dinheiro. Foi o capitalismo que matou essa jovem, foi sua ganância e frustração, combinados com poucos limites éticos que fizeram ela cair na tentação. Não seu forte a tentação, já representado no amante do início do filme. Seu corpo é ocultado e assim a sujeira capitalista fica sempre oculta, apesar de ser o sistema que vingou na sociedade “humana”. Se tal sistema permite a fome mundial e mortandade em massa, não é melhor que qualquer criminoso ou psicótico.

No final um psiquiatra explica a dupla personalidade do rapaz e sua simbiose com a mãe, diferenciando de um travesti (pois vestido de mulher...). Há uma espécie de imortalidade da mãe dele em sua própria psique, de modo que ele vive numa espécie de esquizofrenia, ouvindo e reproduzindo a voz e presença da mãe falecida. Isso tenta ser explicado e o criminoso está preso, bem como o veículo de Marion achado no fundo do lago. O rapaz parece mais louco ainda e derruba a imagem de bom moço. Interessante é o bom contraste do filme por ser preto e branco. Também símbolos como a cor da lingerie de Marion, branca quando curtia a vida com amante, e preta quando prestes a morrer, revelam a luz da vida e o negro do luto. A cena do banho ficou para a história do cinema como uma das mais marcantes. Por isso o filme é uma referência.

(parte de livro Filmes e filosofia, do mesmo autor, pela editora agbook)