A vitória do cinema (publicado originalmente em 11/9/2012)
Ousada é o que se pode chamar a tarefa de se fazer um filme independente. Por independente entenda-se sem dinheiro, material parco e divulgação explicitamente nula. E refiro-me ao Brasil, país cuja cultura tanto cinematográfica como geral está a muitos passos de dar o seu primeiro passo. Mas existe a chamada força de vontade: muitos tentam ter, porém muito poucos conseguem atingir. Em Jacareí há o Cineclube, ideia ótima para sessões de filmes alternativos e curtas municipais. Era hora de a cidade ter o seu longa-metragem. Enfim, dia 2 último ‘Steve Cicco’ foi lançado. Vini Trash, um dos membros do clube, assina direção, roteiro, fotografia (com Rafael Veiga) e edição, com R. Veiga e Adriano Pinheiro como produtores. A trama vinha sendo feita às pílulas. O plano era um curta com o personagem, mas a coisa se desenvolveu de tal forma que pensou-se na história de quase duas horas.
‘Steve Cicco’ é a bofetada que se queria dar na sétima arte. O cinema maquiado, pó-de-arroz, sem o brilho nos olhos de quem o vê, precisava do safanão. Vini dá este tranco com a leveza de quem está no processo de sua vida. Todas as dificuldades, desconfianças e tropeções do caminho de ‘Steve Cicco’ se reverteram em satisfação e certo alívio pelo roteiro ter saído do papel. A palavra de ordem é objetividade. Tudo tem seu tempo, as locações são as mais inimagináveis possíveis e o elenco é de um inacreditável impacto, veracidade, sobretudo o promotor de Justiça de Jacareí, José Luiz Bednarski, como Carlos Magnum, o chefe de S. Cicco. O lado cômico, surreal, parece ter se impregnado na fita e sabemos disto quando a assistimos. É claro que os demais atores cumprem bem o propósito, mas é o promotor a figura deslocada, por isto mesmo, a mais aguardada das cenas. Quem sabe da seriedade e do profissionalismo de Bednarski não imaginaria (?) tamanha desenvoltura dele diante das câmeras.
O script narra a aventura de Cicco, policial demitido do seu Departamento de Jacktown. Ele é contratado por uma organização antiterrorista chamada CIE (Central de Inteligência e Espionagem). A missão é encontrar Pepeu Aliguere, o vilão. De posse duma maleta misteriosa, ameaça Jacktown com planos assassinos. No decorrer dos minutos, o que parece ser uma reles incumbência torna-se a ‘guerra contra o terror’. Então, servem-se ao público as sequências de perseguição, diálogos criativos e instantes de riso frouxo, mote principal desta paródia aos filmes do brucutu Steven Seagal. Até teve ensaios de lutas, com coreógrafo dos movimentos, inclusive, a deixar as cenas as mais reais possíveis.
‘Steve Cicco’ representa muito no sentido da arte, na acepção da palavra. Ser amador, como disse um dos atores, Alberto Capucci, é amar o que se faz, e Vini ama cinema. Nota-se. Ao ver o filme não sei porque me veio na memória o curta ‘Pátio’ (1959), o primeiro trabalho de Glauber Rocha em película. Talvez fosse cheiro de ingenuidade, no bom sentido, e o voluntarismo de Glauber nos seus projetos. Os ‘defeitos especiais’, como Vini frisa, são incríveis. Lembram as histórias em quadrinhos, por exemplo. Trash, ao meu ver, são produções exorbitantes hollywoodianas, onde há mais explosões e barulho do que cinema. ‘Steve Cicco’ não pode e não deve passar despercebido. Quem ganha com a sua projeção, seja na Sala Mário Lago, nas escolas, ou nos festivais dos quais participará, é o cinema, sem dúvida alguma... Esta vitória é bastante representativa. Mostra que a sétima arte pode ser salva, as opções estão aí, nos Vinis apaixonados, que incentivam muita gente neste país tão carente. Vamos começar por ‘Steve Cicco’. Jacareí ganha este herói de presente. E a fita tem de ter uma continuação.