Ouro de tolo (publicado originalmente em 7/8/2012)
Havia um final no meio do caminho. No meio do caminho havia um final. Só consigo iniciar a coluna de hoje assim, golpeando Drummond. É ‘Batman: O Cavaleiro das Trevas Ressurge’, lançado há 11 dias, o detonador de minha angústia. Elenco de primeira, acabamento invejável, efeitos visuais de encher os olhos, roteiro grandioso de fio a pavio. Mas este último, nem tanto. O script, permitam-me traçar o paralelo, seria como a prova perfeita do aluno mais relapso. A nota dez conquistada com a letra parecendo garrancho. O orgulho do professor misturado com o pensamento do mesmo: ‘ele, ao menos, poderia caprichar um pouco, ainda que seu teste esteja irrepreensível.’ David S. Goyer e os irmãos Nolan, Christopher e Jonathan, rabiscaram uma história esplêndida e consagradora. Afinal, é o fim da trilogia do século 21 do Homem-Morcego e o herói merecia aventura sem máculas. E o trio fez de uma meta o ponto exato da vitória. Afirmo ter brilho espontâneo este terceiro longa-metragem protagonizado por Batman. Porém, me incomoda demais o seu desfecho. Claro, não o narrarei neste espaço. Ao terminar a sessão do cinema, me perguntei aonde foram parar toda aquela ingenuidade e comodismo dos filmes. Existe algo torto no ‘Batman’ de 2012. Este ‘algo’ se chama sentimentalismo.
O público das fitas de heróis de 20 anos atrás era acostumado aos finais felizes para sempre, românticos, até patéticos. Confesso: sou superfã da cinessérie ‘Superman’ (1978-87, com Christopher Reeve) e do Batman de 1989, com Jack Nicholson e Michael Keaton. Nada ali tinha de filosófico, bem esquematizado para bons entendedores. As amarrações finais destas tramas, desde a volta no tempo para salvar a amada e a frase derradeira de Kim Basinger / Vicky Vale ‘isto não me surpreende’ eram sinônimos de todos contentes nas poltronas, e a respiração aliviada contagiava os admiradores. Hoje se faz diferente: os heróis são reais e não se prova o oposto. Eles penam, sofrem, se arriscam demais, e chegamos a pensar estarem mortos, destroçados. Perdoem-me. Os super-heróis, da minha infância, corriam, sim, perigo. Muito perigo, aliás. Mas eu sabia que eles, lá no fundo, não existiam, vinham da minha imaginação e dela jamais sairiam para passear. Agora, vendem-nos o Batman ser humano, e nada haveria de mal nisto se na oferta não viesse junto uma dose cavalar de lirismo barato, que tudo acaba bem no enlace final. Ou uma coisa ou outra. Se desejam fazer do Homem-Morcego uma pessoa das ruas, ok. Os roteiristas tinham de ter coragem de sustentar sua bandeja firme. E isto não ocorre.
Na tentativa de serem atrevidos (no bom sentido), os cineastas de ‘Batman: O Cavaleiro das Trevas Ressurge’ conseguiram o óbvio: acabaram no tradicionalismo igual ao dos filmes dos anos 80 e 90. Uma tremenda falta de compostura, pois a fita era a mais aguardada do ano e saí desapontado, como se tivesse comprado o ouro de tolo. Não falo mal da história. Repito: meu calo está no desfecho – quando era para dar o nó do laço, preferiram afrouxar. O script, por sinal, mostra Batman afastado de Gotham City há oito anos, desde a morte de Harvey Dent. Bruce Wayne (Christian Bale) está com sequelas de suas lutas, anda de bengala. Seu espírito aventureiro renasce quando uma ladra (Mulher Gato, e o nome não é falado em nenhum momento – Anne Hathaway) afana um colar de baita valor sentimental. Ao pesquisar sobre ela, cai em Bane (Tom Hardy), mercenário com músculos de Conan, o Bárbaro, e voz de Darth Vader, que quer explodir Gotham com uma bomba atômica. Pronto. E está feita a receita. Contém cenas incríveis de efeitos especiais e o elenco estrelar bem dirigido por Nolan, como, por exemplo, os veteranos Michael Cane, Morgan Freeman, além da ex-Piaf Marion Cottilard.