Marty, o (in) feliz (publicado originalmente em 17/7/2012)
Ernest Borgnine se foi semana passada, aos 95 anos. Coincidentemente, dias antes vi ‘Marty’ (1955), longa que o levou ao estrelato, além de lhe render o único Oscar de sua carreira, como melhor ator. A história do trintão solteirão tímido e trabalhador levou ainda prêmios da Academia de Artes em diretor (Delbert Mann), filme e roteiro adaptado (o drama foi baseado na série televisiva de igual nome e com Borgnine no papel-título – somente desta vez isto ocorreu na trajetória de todo o Oscar).
Marty é o galã do subúrbio, das avessas. Não é lindo e tampouco possui porte atlético. A sua família é das tradicionais italianas, e, assim, tem na mãe a protetora suprema. Apesar de ela insistir na questão do filho ter esposa, filhos, cobrá-lo abruptamente nestes quesitos, basta que Marty sonhe em se encantar por uma ragazza, a matriarca se transforma na mais insegura das mulheres, temendo ser abandonada pelo rebento ingrato e mal criado. Neste caso a irmã da mãe contribui para que estas ideias sejam proliferadas e fixem-se na mente da pobre ‘velhinha’. Aliás, a idade é um tema curioso.
Em determinado ponto da trama, as irmãs discutem o seguinte: puxa, o que nós faremos com 57 anos, largadas na casa, tendo que costurar para sempre? A expectativa de vida era bem distinta da de hoje. Se imaginarmos números atuais, ter 57 anos é apenas iniciar uma etapa da fase adulta. Mas é interessante presenciar por meio das telas os níveis de dificuldades dos anos 1950. ‘Marty’ é de uma geração onde casar e procriar era o objetivo sine qua non das moças de 20 anos. É de uma geração na qual a roda de amigos ia a bailes de colegial, tomavam Coca-Cola nos barzinhos dos becos de todas as ruas e namoravam escondidos nas esquinas. Pegar na mão era sinônimo dum relacionamento sério. Dar selinho, então, significava propor noivado ou casamento. Marty não tinha isso. Vivia junto com seus comparsas perambulando por aí à procura da cara-metade ideal. Ser feliz para ele era demais?
Mann, o diretor, resumiu a sua carreira com obras rodadas para a TV. ‘Marty’ foi seu trabalho mais reluzente e premiado. E tem razão para tanto. A fita é curta para um longa-metragem (tem 90 minutos) e, por isto mesmo, conseguiu concatenar a trama duma maneira divertida, com pitadas de comédia e romance. Sobre o elenco, Borgnine está mais do que adequado diante das câmeras. Esther Minciotti, atriz italiana de 1888, encara a senhora Piletti, mãe do protagonista. Betsy Blair é Clara, a mulher desengonçada por quem Marty se encanta. O ‘bagulho’, como dizem os parceiros do rapaz. A indicação ao Oscar de coadjuvante foi merecida, assim como a de Joe Mantell, que interpreta Angie, melhor amigo de Marty. E o que dizer de Augusta Ciolli, tia Catherine? Soberba. Ela também deveria ter sido indicada ao troféu máximo do cinema, porém não esteve na lista dos cinco melhores do ano.
Agora, Borgnine – a homenagem. Em 61 anos de carreira (ele começou relativamente tarde, com 34 anos), participou em 204 obras, entre cinema e televisão, fora suas realizações no teatro. Em anos passados, não tantos, esteve no ‘RED: Aposentados e Perigosos’ (2010), ao lado de Bruce Willis, Morgan Freeman e Helen Mirren. Aos 93 anos, sua participação nesta fita foi pequena, todavia, bem marcante. Sem dúvida, um dos atores mais renomados e comemorados em todos os anos de ecrã, são mais de 115 anos de história da sétima arte. Dentre seus filmes mais conhecidos estão ‘A um Passo da Eternidade’ (1953), ‘Os Doze Condenados’ (1967) e ‘Gattaca’ (1997). Era mais um ator para compor o cast, e não para exercer funções preponderantes. Somente em ‘Marty’ ele sobressaiu, se deu bem. Em sua morte a fita de 57 anos atrás foi tão ou mais comentada do que carreira do ator. Mas ele merece.