Marta x George x Nick x Honey (publicado originalmente em 3/7/2012)
‘O teatro é a arte do ator. O cinema é a arte do diretor. A televisão é a arte do patrocinador.’ A frase do saudoso Paulo Autran reflete de forma milimétrica o coeficiente de cada parte artística. Mas, às vezes, há alternâncias. ‘Quem Tem Medo de Virgínia Woolf?’ (1966) é o típico drama teatral. Tem poucos personagens (quatro), cenários mínimos, porém, ricos em detalhes, e um roteiro de lamber os beiços de tão espetacular em seus diálogos. A história foi escrita por Edward Albee em 1962 para os palcos dos Estados Unidos e adaptada por Ernest Lehman (mesmo roteirista de ‘Sabrina’, 1954, ‘Intriga Internacional’, 1959, ‘Amor, Sublime Amor’, 61, e ‘A Noviça Rebelde’, 65) à direção do então estreante Mike Nichols (de ‘A Primeira Noite de um Homem’, 67, e ‘Closer: Perto Demais’, 2004) às telonas. É claro que não vi a peça, mas assisti ao filme esses dias. Afianço seu poder de deixar tonto e perplexo o espectador pela extrema frieza, fulgurância de seu elenco, encabeçado por ninguém mais, ninguém menos, do que o casal 20 da época Elizabeth Taylor e Richard Burton (de ‘Cleópatra’, 1963).
O núcleo da trama é o par Martha (Taylor) e George (Burton). Intelectuais, bons debatedores e acima de tudo, impagáveis em humilharem-se mutuamente, eles chegam em casa após a festa dada na mansão do pai de Martha, reitor da universidade na qual George é mero professor sem qualquer aspiração a promoção. É madrugada, os dois têm visita às duas da manhã: o outro casal Nick (George Segal, de ‘O Mais Longo dos Dias’, 1962) e Honey (Sandy Dennis, de ‘Uma Mulher Diferente’, 1969). Jovens, cheios de vida e começando uma vida a dois, a dupla cai na sala dos problemáticos e a cilada está armada: George e Martha iniciam o ‘jogo das verdades’, onde todos são obrigados a confessar os mais escabrosos pecados e segredos. Regados a bastante drinks, conhaques e cigarros, as conversas tumultuam o ambiente. Armadilhas psicológicas, provocações de todos os lados, chantagens e horas de papos depois, o desenlace de ‘Quem Tem Medo de Virgínia Woolf?’ tem uma mistura de macabro, infantil e penalizante. O título, aliás, foi baseado na canção infantil ‘Quem Tem Medo do Lobo Mau?’.
Os lobos maus de cada um são os temperos das trocas de amor, ódio e transes de alcoolismo do quarteto George, Martha, Nick e Honey. O primeiro é o embromador-mor da turma. Não se sabe quando está dizendo mentiras ou verdades. Inteligente, arrisca a paciência dos convidados trocando informações, fazendo-se de bêbado, e irrita de forma metódica a amada Martha, a carente. Privada de toques refinados de amorosidade, a moça de meia idade deseja a vida e morte do companheiro de forma simultânea. Nick é o dono da razão.
É nele a concentração do longa-metragem. Em Nick estão empilhados os suores de cada personagem. E Honey é o símbolo da inocência e da debilidade. Fraca e desprovida de recursos cerebrais, a moçoila só quer mais um brandy em seu copo, e rápido. Óbvio, ela também possui crueldades no íntimo do ser. Na fita, é bom que se acrescente, somam-se somente outros dois personagens que entram mudos e saem calados: o garçom e a faxineira de um bar onde os quatro vão passear para ‘espairecer’. A riqueza do filme é em ser enxuto, limpo, objetivo e honesto.
Burton e Taylor eram casados na vida real durante as filmagens. Especula-se que constantes brigas entre eles aumentou o rumor e o sucesso da história. O ator morreu aos 58 de cirrose e chegou a beber uma garrafa de vodca todas as manhãs no auge da doença. Sandy também morreu cedo, aos 54, de câncer no ovário. Segal tem hoje 78 anos e Taylor se foi ano passado, aos 79. Os quatro foram indicados a Oscars de ator, atriz, ator coadjuvante e atriz coadjuvante. E. Taylor levou. Sandy, idem.