Os poderes de Bogart (publicado originalmente em 26/6/2012)
Humphrey Bogart morreu no 14º dia de 1957, aos 57 anos, de câncer no esôfago. Não sei bem ao certo, mas ele provavelmente estava doente, no início de sua enfermidade, quando, sob a direção de William Wyler, rodou ‘Horas de Desespero’ (1955). O longa-metragem é pouco conhecido. Tem, é claro, menos estrelas se o compararmos a ‘Casablanca’ (1943), ‘Beco sem Saída’ (1937, também de W. Wyler) e ‘Relíquia Macabra – O Falcão Maltês’ (1941). Mesmo assim, é um filme para os cinéfilos de carteirinha apreciarem, pois tem a qualidade de Wyler e o charme machista e truculento de Bogart e a boca quase fechada ao falar. Humphrey Bogart, aliás, é dos atores mais admirados pelos cinéfilos.
Na história, o ator é Glenn Griffin. Fugitivo da penitenciária, Griffin é um perigoso assassino, calculista terrorista. Seu irmão caçula, Hal (Dewey Martin), e o brucutu Kobish (Robert Middleton), ambos igualmente foragidos, invadem a casa do Sr. Milliard (Fredric March), típico chefe de família estadunidense dos anos 1950: pai de um casal de filhos, o inteligente mirim Ralph (Richard Eyer), e a namoradeira Cindy (Mary Murphy), e marido de Eleanor (Martha Scott), prestativa dona de casa e cuidadora da família. No começo, a brutal entrada do trio malfeitor era para durar poucas horas. Era a namorada de Glenn chegar com dinheiro, eles fugirem a bem longe. Mas as coisas saem diferentes.
Na medida em que o tempo passa, a namorada não chega e o humor de Glenn, antes pronto a qualquer tipo de negociação, tranquilidade, se transforma em sentimentos de vingança, ódio e medo.
Hayes precisou envelhecer o papel para Bogart trabalhar nele. E o ator não aparentava mais a altivez de outrora. Estava abatido, talvez já com sinais do câncer que o mataria pouco tempo depois.
É bom salientar a presença de Fredric March no elenco. Ganhador de dois Oscars de melhor ator e protagonista de clássicos como ‘Os Melhores Anos de Nossas Vidas’ (46) e ‘Nasce uma Estrela’ (1937), Fredric March é o exemplo de elegância e maturidade em cena. Contemporâneo de H. Bogart, é dos artistas mais completos da sétima arte. Em ‘Horas de Desespero’, seu personagem como o pai de família representa a base da trama, onde todos outros se apoiam, inclusive Glenn, o fugitivo, e não o oposto. O roteiro de Joseph Hayes é simples e direto. Deslizes inexistem e Wyler sabe conduzir este filme de maneira aplicada e formidável. ‘Horas de Desespero’, como escrevi antes, pode não ser um dos melhores ou mais comentados trabalhos tanto do diretor como de Bogart, porém tem poderes.
Os poderes são de Bogart e sua masculinidade exacerbada, maltratando Eleanor e as pessoas em sua volta. Seu 1.73 metro dá a impressão de ser menos, 1.60 metro, por exemplo. A baixa estatura só aumenta seu volume de machão voluntário. E as fitas mudam, as décadas andam, e Bogart segue com a cara de mau sujeito. Até em ‘Sabrina’ (1954), uma história tenra com Audrey Hepburn, o ator está intocável e com a face amarrada. Após ‘Horas de Desespero’, ele ainda faria ‘A Trágica Farsa’ no ano seguinte, poucos meses antes de morrer. O longa de 1955 teve uma refilmagem 35 anos depois, e os atores nos papéis de Bogart e March foram Anthony Hopkins e Mickey Rourke, respectivamente.
O galã de ‘Casablanca’ ganhou apenas um Oscar na carreira, por ‘Uma Aventura na África’, de 1951. E volto a ‘Casablanca’ para a história final: na cerimônia do Oscar de 1944, quando disputava a estatueta, no momento do anúncio do vencedor Bogart levantou-se certo de que seria o galardoado, mas ao perceber que Paul Lucas, por ‘Horas de Tormenta’, havia sido o vencedor, o galã machão não perdeu a pose aos fotógrafos e aplaudiu o colega de pé para disfarçar. Claro, estava de rosto fechado.