Não podemos ficar burros (publicado originalmente em 29/5/2012)

Terça-feira passada, o escritor e jornalista Ruy Castro, em sua participação semanal na Rádio Band News, comentou sobre a pipoca nos cinemas de hoje. ‘Atualmente os cinemas viraram apenas a extensão do pipoqueiro’, disse. E prosseguiu: ‘Talvez o som excessivamente alto das salas seja assim de propósito, pra abafar um pouco os movimentos dos maxilares do pessoal comendo essas pipocas.’ Ele e Ricardo Boechat, o apresentador do programa do qual Ruy interagia, relembraram idos tempos em que se ia aos cinemões dos anos 1950 e 1960 de terno e gravata. Aliás, ‘só se podia entrar vestido de terno e gravata’, lembrou o autor de ‘O Anjo Pornográfico’. O aumentativo do substantivo se deve à quantidade de cadeiras fixadas em cada teatro, digamos assim. Era coisa de 500 lugares, em certos locais chegava-se a mil ou a ultrapassar este montante. Os anos passaram, vieram redes de salas de cinema, a tal modernidade ou progresso, como queiram, e se acabou com o romantismo de outrora.

De um lado, hoje nós não temos enormes espaços, pipoqueiros na porta vendendo sua porção ‘salgada ou doce, com queijinho ou sem’. Do outro, aumentou a variedade de filmes. Em cada cidade onde exista um complexo são exibidos simultaneamente 5, 6, 7 ou chega-se a 10, 12 fitas diferentes. Você pode escolher qual lhe aprouver, sem indecisões, e a pipoca segue lá, apesar de ser cara e muito artificial. Realmente, o gosto da pureza nos faz recordar momentos bons. A pena é passagem da vida.

Mas as dúvidas, antes agudas, hoje insistem em nos querer fazer largar. Optar entre o pior e o ruim, o péssimo e o horrível, não é exatamente o que desejávamos quando se aumentaram as salas. A programação é de chorar. São raríssimas as redes concentradas em procurar agradar a todos: gregos e troianos – entenda-se disto crianças, jovens, adultos e idosos (a Reserva Cultural, na Av. Paulista, é um caso). Fico com a impressão (sou tolo) de que as empresas visam lucrar não com os ingressos, e sim com venda de quitutes como balas, pipocas grandes, refrigerantes, pães de queijo etc. A equação é simples como dobrar a esquina: os adolescentes consomem estas quinquilharias ditas comestíveis, portanto, passam-se filmes para atrair a elite esfomeada, que vai ao cinema com a intenção de comer, beber, namorar e papear (e em voz alta, frise-se), e em último posto, caso sobre a vontade, ver do que se trata a história da telona. Forçar o cérebro não dói. Porém, a geração deste século veio com falhas.

Sei que sou a voz dissonante e seria polianisse de minha parte crer ser os jovens do século 21 idênticos aos das décadas passadas. Todavia, tenho a certeza de que alguns bons estão aí, e sedentos por roteiros qualificados, atores bem dirigidos e fotografias bem elaboradas. Recuso-me a aceitar ter na cidade em que moro e nasci há 30 anos um grupo de salas cujos cartazes estampam ‘Homens de Preto 3’, ‘Os Vingadores’, ‘Piratas Pirados’ e ‘A Batalha dos Mares’. Certo. ‘Os Vingadores’ é a maior bilheteria da história do Brasil. E daí? Só por isto é ótimo? É uma constatação, não uma celebração.

Com exceção de ‘Piratas Pirados’, stop motion provavelmente bonitinho (eu ainda não vi), os demais são ‘mais do mesmo’: explosões, tiros, sangue, naves voando, os sons estridentes, atores bem pagos e mal comandados etc. Acrescento: dos 22 horários, tirando dois de ‘Paraísos Artificiais’, filme nacional (9,09%), somente 3 (isso mesmo, 3!) são legendados (13,63%) e 17 são dublados (77,28%).

Seria inocência querer reviver (e eu nem vivi) a época dos Cineclubes (e em Jacareí há um) do passado, como está citado no livro ‘A Primavera do Dragão’, sobre a juventude de Glauber Rocha? Eram conjuntos de jovens ansiosos pelo novo Bergman, De Sica, Godard, Truffaut, Fellini, e também estudiosos de Enseinstein, Lang, Murnau, tantos outros Cineastas com ‘C’ maiúsculo. E eles viravam noites discutindo ângulos de câmera, luzes fracas, fortes, roteiro, direção. Queriam mudar o planeta. Por Deus, não podemos ficar burros. Estamos ficando. Será triste se acatarmos em silêncio.

Rodrigo Romero
Enviado por Rodrigo Romero em 29/05/2012
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