Hitchcock (re) vive (publicado originalmente em 24/4/12)
Semana passada esta foto ao lado saiu publicada em algum site especializado em cinema. Ela traz Anthony Hopkins (sim, é ele) travestido de Alfred Hitchcock. Um trabalho de maquiagem que já rende elogios a Howard Berger. O interessante aqui é a feitura de ‘Hitchcock’, nome provisório de um longa que tem tudo para dar certo.
Dirigido pelo estreante Sacha Gervasi (roteirista de ‘O Terminal’– 2004), a história mostrará os bastidores da filmagem de ‘Psicose’ (1960). Se não estou enganado, é a primeira vez da retratação do Mestre do Suspense em tela grande. Escrito por John J. McLaughlin, o mesmo de ‘Cisne Negro’, a obra terá no elenco a musa Scarlett Johansson no papel de Janet Leigh, a intérprete da personagem morta na cena do chuveiro. Completam o cast Jessica Biel (Vera Miles), Helen Mirren (Alma Reville, esposa de Hitchcock) e James D’Arcy (Anthony Perkins, o assassino).
As filmagens de ‘Psicose’ sempre foram tema de polêmica. O Mestre do Suspense comprou os direitos do livro de Robert Bloch – que deu origem à fita – por 11 mil dólares. Depois, adquiriu todos os livros das casas do ramo. Não queria o desfecho da trama divulgado aos quatro cantos. Nos sets, e especialmente na cena do chuveiro, o diretor arrumou a câmera em diversos ângulos. Só a sequência demorou uma semana para ficar pronta; 70 posições da câmera foram usadas. ‘Psicose’ estreou com cartazes pregados dentro das salas de cinema que imploravam: ‘Não conte o fim do filme a ninguém’.
A produção custou 800 mil dólares. Rendeu mais de 50 milhões. Alfred Hitchcock fez a sua fama e enriqueceu. Sem querer fazer piada, quando Portugal lançou o filme traduziu o título para ‘O Filho que Era Mãe’. Isto é verdade. O país necessitou trocar o nome por ter feito a revelação massacrante.
No livro-entrevista ‘Hitchcock Truffaut’, acerca da fita, o inglês comenta: ‘Interessei-me pelo livro de Stephen Rebello apenas pela cena do chuveiro.’ Note que o cineasta estava certíssimo, não é?
Na foto aqui publicada, A. Hopkins (assim como A. Hitchcock, sir da Inglaterra) aparece com a roupa do homenageado: calça, gravata e paletó pretos e camisa impecavelmente branca. Reparem na ‘papada’ do personagem, nos fios quase encanecidos, e, sobretudo, no olhar. São nos olhos que a faceta de Anthony Hopkins se descobre, de forma tímida, mas se descobre. Quando rodou ‘Psicose’, o Hitchcock verdadeiro tinha 60 anos e, como veteranos de outrora, se passava por 75, por aí. E em 31 de dezembro o eterno doutor Hannibal Lecter fechou as 74 primaveras. As íris sombrias e afiadas do ator podem, porém não creio fazê-lo, destoar do criador.
É o fator-chave, como ocorreu com Michelle Williams e sua faceta Marilyn Monroe no fascinante ‘Sete Dias com Marilyn’ (2011): o ator não está acima da personalidade, apenas ‘faz de conta’ que a é por uma hora e pouco, duas horas, ponto final.
Seria a imitação da passagem narrada pela lenda Ingrid Bergman, sobre o próprio Hitchcock nas filmagens de ‘Interlúdio’ (46). Nas palavras dela: ‘Tinha dificuldade em compor o personagem e questionei-o sobre isto. E eis que ele me responde: Ingrid, somente finja.’ Michelle agarrou-se nesta proeza. Helen Mirren também, ao dar vida à Elizabeth II. Nicole Kidman foi outra que conseguiu, ao viver Virginia Woolf em ‘As Horas’ (03). Percebeu? Todas mulheres. Talvez o seu sexto sentido, não?
Parecer-se com o ‘tal’ é importante, todavia não é tanto. Lembremos de Frank Langella e seu Richard Nixon em ‘Frost / Nixon’ (08): atuação impressionante. Vemos o ex-presidente e a amargura de um derrotado, e sabemos que Langella respira lá dentro. Tenho a certeza de que Hopkins terá esta igual percepção, porque é um ator de gabarito. ‘Hitchcock’ tem estreia prevista para o próximo ano.
PS: Revi ‘Psicose’ esses dias e é incrível como ainda nos assusta, hipnotiza, comove e choca.