A descoberta do Brasil (publicado originalmente em 10/4/2012)
Em 1943, a Segunda Guerra ainda possuía ranços de vitalidade. No Brasil, após morrerem os pais (1941) três irmãos – Orlando, Cláudio e Leonardo – resolveram se aventurar pelos desemboques do país. Com o auxílio do governo, entraram junto com milhares na Expedição Roncador Xingu. Sem dúvida, uma homenagem ao Marechal Rondon, mas Getúlio Vargas tinha outros planos. Ele queria que os desbravadores levassem o ‘progresso’ aos interiores do território nacional. E não se atinou aos índios. O trio, os Villas Boas, entraram nessa por uma porta. No fim, a passagem era exatamente a oposta: ao invés de arar a terra, lutaram por um espaço aos indígenas. Tornaram-se representantes de um Brasil esperançoso, brigador, justo, e que dura até hoje, no imenso Parque Nacional do Xingu.
O diretor Cao Hamburger (‘O Ano em que Meus Pais Saíram de Férias’, 2006) conseguiu nos mostrar esta saga. Em ‘Xingu’, que estreou sexta-feira, os irmãos Villas Boas são retratados em suas uniões, desavenças, romances, brasilidade. Interpretados firmemente por Felipe Camargo (Orlando), João Miguel (Cláudio) e Caio Blat (Leonardo), estes personagens reais fazem a gente descobrir ou, no caso, redescobrir o Brasil moreno, de arco e flecha, cocares e caciques. ‘Xingu’ foi filmado na própria região do Mato Grosso e contou com participação de índios de verdade, da tribo Kaiabi. Eles se saem bem na telona dando vida a suas gerações anteriores. Vemos ali o empenho, medo e insegurança dos primeiros moradores do Brasil por segurar as suas terras e não querer se sujeitar à base militar que o governo Vargas desejava impor àquele pedaço de chão. Os Villas Boas têm papel fundamental aqui.
Não os três. Leonardo, o mais jovem, é expulso por Orlando da empreitada, pois se envolve e engravida uma índia, expondo os trabalhos deles à imprensa em geral. Leonardo acabaria morrendo aos 43 anos, em 61, de infarto. Cláudio e Orlando seguiram a missão. No longa, vemos Darci Ribeiro debatendo com a dupla os problemas da implantação do Parque do Xingu, numa homenagem a uma das principais cabeças pensantes do Brasil em relação à sua identidade, cultura, estudos e sociedade.
C. Hamburger, por seu lado, está apenas em sua terceira produção, a segunda séria. Em 1999 rodou ‘Castelo Rá-Tim-Bum: O Filme’. Sete anos mais tarde, como já citei, fez ‘O Ano em que Meus Pais Saíram de Férias’, relembrando os tempos duros da ditadura militar dos anos 1970. E agora, nos presenteia com ‘Xingu’. Ele é diferente dos demais diretores tupiniquins. Pelo menos não buscou seu sustento filmando violência, mostrando sangue, favela, palavrões. Ultimamente o país tem ‘brindado’ o público exibindo nossos podres. E estamos cansados de ver nossos podres. Nós temos muitos, aliás.
Acerca de Camargo e Miguel, ambos são competentes, mas destaco o segundo. Talvez, como ouvi outro dia, seja mesmo o papel da vida de Felipe Camargo, que está no seu oitavo filme. É notada a sua caracterização de Orlando, morto em 2002 aos 88 anos, após ser demitido da Funai (Fundação Nacional do Índio), órgão que ele ajudou a criar, em 2000. Cláudio V. Boas faleceu em 1998, aos 81.
‘Xingu’ tem fotografia esplêndida e um roteiro mediano. Foi feita uma pesquisa intensa para se fazer o filme, sabe-se, mas dei falta de mais profundidade ao tema. Parece que C. Hamburger quis ensinar tatibitate ao espectador, nada mais. A fita vai até a década de 60. Depois surgem os créditos explicando o que ocorreu depois. Pouco para um mote que envolve o tamanho do nome Villas Boas. Porém, nasce aí um candidato a ser apontado pelo Ministério da Cultura ao Oscar 2013, se o MinC tiver inteligência suficiente a tanto. Teve em 2006. Indicou ‘O Ano em que Meus...’ para concorrer. A Academia deixou a fita entre os nove finalistas. É alguma coisa. Tomara que ‘Xingu’ tenha mais sorte.