Shame Zen Vergonha
Brandon (Michael Fassbender) é um cara bem dotado. Tem um bilau mais substancial do que a media dos homens. Poderia, segundo avaliação de George Clooney, citado na coluna de Sérgio Telles, jogar golfe sem taco. Certamente a "inveja do pênis" pelos membros (menores) da academia provocou sua exclusão da premiação hollywoodina.
Esse é um fator de atração para as mulheres. O instinto feminino logo se identifica com a possibilidade de fazer valer a entrega. A coisa toda rola sem problemas, desde que Brandon é chegado a elas.
Executivo de uma empresa de publicidade, ele também é um caçador de fêmeas. Deu mole e ele “Crau”. Abocanha a presa nos encaixes do domador. Por ser viciado em sexo há problemas de natureza emocional a considerar. Ele possui dificuldade em transar com qualquer mulher que sugira um compromisso a envolver sentimento, afeto, carinho.
A máquina de fazer sexo sente que esse não é um problema fácil de solucionar. Por isso mesmo sexo para ele é metáfora de um pistom de motor à combustão que desliza para dentro e para fora do êmbolo. Até a ejaculação. É semelhante à masturbação. Sem o recurso da mão.
A irmã caçula do protagonista, Sissy (Carey Mulligan) uma garota pirada nos padrões “normais” de Nova York chega em seu apartamento disposta a ficar na companhia dele. Como ele não exercita afetividade para com as mulheres, a irmã não é uma exceção à regra. Quanto mais ela tenta aproximar-se com carinhos, a sugerir por vezes o usufruto do incesto, ele sai fora da possibilidade do envolvimento.
O ponto alto do filme não são as proezas sexuais dos protagonistas nas sessões de fuque-fuque. Nem as reclusas condições de interioridade do personagem femeeiro. Nem tampouco as rusgas entre o casal de irmãos. Mas a interpretação da canção “New York New York” sem aquela tonalidade vibrante, entusiasmada e ufanista de Frank Sinatra. Como se essa cidade fosse o suprassumo das maravilhas universais. Ou um novo Éden estilo consumismo.
A interpretação da música por Sissy na boate na qual Brandon e seu chefe estão presentes, condiz com uma visão muito mais humanizada e realista do ponto de vista da adolescente que sabe, realmente, o que significava para ela estar nessa cidade símbolo da “Grande Maçã”. Alegoria dos maiores atos de terrorismo tipo “World Trade Center” que Frank Sinatra cantava com soberbo entusiasmo. Antes mesmo que acontecessem.
Ela diz, ela canta, um tanto quanto senhora das palavras, posicionada fielmente num ritmo mais contido de quem não espera muito dela, cidade NY, NY, numa tonalidade um tanto quanto melancólica:
“Comece a espalhar a notícia/Estou partindo hoje/Eu quero ser uma parte dela/Nova Iorque, Nova Iorque/...”
Ao ouvi-la Brandon se emociona, chegando a limpar lágrimas num rosto sem emoção: “Esses sapatos de vagabundo/Estão querendo passear/Através do coração dela/Nova Iorque, Nova Iorque/...”
Brandon e seu chefe se tocam de que a moça sabe como valorizar as emoções contidas numa situação na qual ela mesma se insere enquanto personagem principal: “Eu quero acordar/Em uma cidade que nunca dorme/E descobrir que sou o rei da cocada preta/O maioral..”.
Mas todos estão sabendo que a cidade "Big-Apple" está carregada de gula, avareza, luxúria, ira, inveja, preguiça, orgulho, vaidade, ameaças terroristas, assaltos, sequestros, violência.
NY-NY = hipotecas fraudulentas, golpes financeiros, idólatras da ganância, lobistas governamentais que tentam patentar o Sol, empréstimos tóxicos, fraudes do colarinho branco, plutomaníacos fanáticos por Wall Street, medo, "credit default swap", epidemias à "subprime". Isto é que é New York, New York: "lobbies" antidemocráticos administrados por Wall Street. Com o aval do Congresso.
Todos estão sabendo que uma garota como ela será devorada logo na primeira transa, por essas feras famintas de sexo, habitantes do coração pulsante das trevas, como uma bomba relógio, da cidade. Sissy continua a cantar:
“Esta melancolia de cidadezinha está se diluindo/Terei um novo começo na velha Nova Iorque/Se eu conseguir lá/Eu conseguirei em qualquer parte/Só depende de você/Nova Iorque, Nova Iorque...”
Na realidade todos na boate sabem que a "Grande Maçã" marcará com fogo a estadia de quem nela se inserir com ilusões e sonhos em meio a tenebrosos pesadelos. Nela não haverá novos começos para ninguém, mas o fim. O fim do sonho de realização e felicidade. Afinal, a ilusão do "american way of life" acabou há muito. Em NY-NY somente há finalidades, nunca inícios.
Como iniciar um sonho em NY, NY? Só se fosse um sonho ético!
O chefe de Brandon começa a se interessar por um programa com ela no apartamento do irmão. A descontração trazida pelas biritas, assim como a sensualidade dela, conduzem à uma sequência inteiramente previsível. E Sissy continua a celebrar a antipoesia contida nos versos da melodiosa cantoria:
“Eu quero acordar numa cidade que nunca dorme/E descobrir que sou o n° 1 no topo da lista/Rei do pedaço/King of the Hill/Vou viver um novo começo...”
E o novo começo dela não se faz por esperar. Uma sessão de fuque-fuque incrementada com todo o escarcéu a que têm direito os namorados de uma noite apenas. Ou, quem sabe? De uma noite a sós. Numa relação que inclui o mesmo tipo de solidão de Brandon. O tipo de solidão cantada por Sissy na boate na noite de “New York, New York” sem aquele veemente ufanismo de Sinatra.
Shame, o rei da cocada preta vive traçando mulheres na solidão fugaz dos prazeres de Atenas. A matéria-prima emocional da Grande Maçã se traduz no barro cotidiano do qual nasce e cresce a semente da fera da solidão.