Para Francesca (publicado originalmente em 6/3/2012)
Billy Crystal disse no Oscar estranhar ‘A Invenção de Hugo Cabret’, de Martin Scorsese. ‘Onde estão os tiroteios, mortos, sangue? Tem certeza de que a história é sua?’. Claro, era brincadeira e ironia da parte do mestre de cerimônia. Não sem razão. O diretor é marcado exatamente por fitas onde predominam o ódio entre personagens, e estes resolvem os problemas à bala, com socos, torturas, enfim, violência sem qualquer delicadeza. Quem não se lembra de ‘Os Bons Companheiros’ (90) e ‘Gangues de Nova Iorque’ (2002)? Há exceções. ‘O Aviador’ (2004) e ‘New York, New York’ (1977) são trabalhos de poesia perto desses outros citados. O que dizer de ‘A Invenção de Hugo Cabret’ (2011)? Longa para criança? Conto de fadas? As opções são corretas. Mas existe a terceira: é a história para quem ama cinema, acima de tudo. E como Scorsese dá a sua vida pela sétima arte, nada melhor do que produzir a aventura do garoto que quer consertar o autômato deixado de herança pelo pai. E neste reparo quem sai inteiro somos nós, o público.
Hugo Cabret (Asa Butterfield, de ‘O Menino do Pijama Listrado’ –2008) amava o pai (Jude Law, de ‘Perto Demais’–2004), morto num incêndio. Órfão, é cuidado pelo tio beberrão, funcionário do relógio da estação de trem de Paris dos anos 30. O tio também morre e o menino é obrigado a cometer pequenos furtos para sobreviver nos porões dos ponteiros e os tic-tacs. Arrumar o autômato é sua meta e, sobretudo, a última homenagem ao pai. Então se dá o encontro com um velhinho em cuja loja Hugo rouba peças que servem no robô. O tal senhor, descobrimos depois, é ninguém menos que George Méliès (Ben Kingsley, de ‘Gandhi’ –82), um dos pioneiros do cinema, agora um setentão pobre e desgostoso da vida. Ao mesmo tempo em que tenta fugir do inspetor da estação (Sacha Baron Cohen, de ‘Borat’ –2005), Hugo mergulha numa aventura de lágrimas e descobertas, enquanto Martin Scorsese mexe com a gente e explora a nossa infância, com a magia e o sentimento. A intenção do diretor é evidente: mostrar quem foi e o tamanho da importância de Méliès, presente na 1ª exibição das figuras em movimento dos irmãos Lumière, em 1895.
‘A Invenção de Hugo Cabret’ tem de ser visto em 3D. José Wilker disse bem em seu comentário: ‘Todos os 3D eram ensaios. Hugo foi pra valer.’ É imensidão de cores, profundidades e com originalidade ímpar. A estação de trem nos bastidores dos labirintos impressiona pela riqueza de detalhes e foi por isto que levou cinco Oscars técnicos: direção de arte, fotografia, edição e mixagem de som e efeitos visuais.
Antes de ver ‘Hugo’ eu não havia ligado o nome à pessoa e é muito bom quando aprofundamos o conhecimento dos personagens. Méliès (1861-1938) produziu mais de 500 filmes (a maioria curtas), e dentre eles está ‘Viagem à Lua’ (1902), provavelmente o seu principal. Durante ‘Hugo’ são projetados na telona alguns de seus trabalhos e não há dinheiro que pague a sensação de ver estas imagens, pois grande parte do acervo se perdeu ou foi destruída. Na minha visão, Kingsley merecia ter sido indicado ao Oscar.
Além de nos presentear com a obra, Scorsese produziu ‘Hugo’ à filha Francesca, de 12 anos. Ela reclamava sobre ver os filmes dele. Certamente o pai a proibiu por motivos óbvios. Desta forma montou a melhor aventura em 3D até hoje. Temos de agradecer a Francesca. Creio que como cinéfilo, M. Scorsese ainda tem muito a ensinar e que bom que seja assim. Aliás, ele próprio faz uma participação especial em ‘Hugo’ como um fotógrafo, repare. Dou a dica: leve um lencinho, pois possivelmente, você sendo ou não amante do cinema, se emocionará em determinadas sequências e vai querer ter um avô como George Méliès.