‘Chico & Rita’ (publicado originalmente em 28/2/2012)
É difícil entender como filmes ótimos ficam longe do espectador louco por cinema. ‘Chico & Rita’ (2010) pode ser o exemplo categórico do quanto somos prejudicados por sermos postos a distância de obras como esta. Assisti à fita esses dias e confesso ter ficado com pena das pessoas que não terão a chance de ver a película. Como desgraça pouca é bobagem, é o estúdio brasileiro Lightstar, sediado em Santos, um dos co-produtores do longa de animação. Tragicômico, não?
Muita cor e retratos simbólicos de Cuba e Nova Iorque estão na obra. Na história, Chico, talentoso e jovem pianista, se encanta com Rita, a sensual e bela cantora de música latina, num cabaré de Havana do fim da década de 1940. Já na primeira noite os dois se apaixonam, porém o amor é desfeito na manhã seguinte. Entre ida e vindas, a dupla estoura na capital cubana. Rita vai aos EUA, eles separam-se de novo. Tudo isto ao som de ‘Basame Mucho’ e outras canções de igual ou maior calibre. Aliás, a trilha musical de ‘Chico & Rita’ é obrigatória aos aficionados por jazz e também pelas pessoas em geral. É aplicada e esmerada como poucas. Sangue quente aí.
O desenho é voltado aos adultos. Em qualquer hipótese descamba para o erotismo barato e baixo. Nada disso. O diretor espanhol Fernando Trueba – pela primeira vez se aventurando em animação – mostra o contrário: tudo é estudado de forma recatada. As sequências de sexo são finas, delicadas, elegantes e de um luxo que se demorará muito para se ver algo parecido depois de anos. Estamos diante da obra-prima dos desenhos de 2010 e 11, e por mais quanto tempo ele ficar em nossas retinas. Tenho a impressão de que ele permanecerá por um longo período ainda.
Aos poucos nos apaixonamos por Rita, torcemos por Chico e, pelo menos eu, embraveci por não ter vivido na boemia daqueles anos, onde tudo em volta era menor e a importância das pessoas, da música, do charme noturno dos carros, era o maior, o relevante, o ponto primordial da vida e cotidiano. Não bastasse isto, a qualidade do desenho em si é completamente simples. E ultimamente venho escrevendo aqui o quão complicado, cada vez mais, é fazer o trivial, o pueril.
Particularmente aprecio sons. Amo barulhos de sapatos andando, os copos sendo postos na mesa, da tragada do cigarro, enfim, os movimentos menos notados ou os que ninguém quer que sejam percebidos. Estes me prendem. Em ‘Chico & Rita’ deliciei-me em cada cena. Um noir latino-americano de animação. Há mais criatividade? É ‘Buena Vista Social Club’ fantasiado em outros rostos, não em música pior. As canções são parte alta da fita, todavia a relevância está no todo, desde script até o último traço. Sempre estamos sedentos de produtos de muita qualidade.
Apesar de montado em 2010, estreou nos EUA em 2011 e foi selecionado para a festa do Oscar de 2012. Fico contente que a Academia, especialmente nesta temporada, tenha apontado dois desenhos fora do eixo dos EUA: além de ‘Chico & Rita’, ‘Um Gato em Paris’, outro trabalho excepcional, esteve entre os cinco finalistas. Seria um sinal de crise no país do Tio Sam, já que a cerimônia festeja eles próprios? Não. É simplesmente indicar os melhores do mundo. Às vezes.