Glauberizando o Oscar (texto-bônus ao Recanto das Letras)
Com toda a certeza absoluta, caso Glauber Rocha estivesse vivo não engoliria de maneira nenhuma a premiação para os ‘Os Muppets’ como melhor canção original. A música de ‘Rio’, de Sérgio Mendes e Carlinhos Brown, o único outro concorrente, foi preterida. É impressionante a forma como a Academia de Artes e Ciências Cinematográficas sempre consegue algum jeito de o Brasil ficar de fora dos troféus, mesmo quando o produto em disputa é absurdamente melhor e mais carismático. Diria o diretor de ‘Terra em Transe’: ‘Esta indústria imperialista perdeu toda a credibilidade e confiança dando o prêmio a um desenho tão pobre como Muppets! Não passam de uns desgraçados esses votantes! Sérgio Mendes e Carlinhos Brown não mereciam a injustiça!’
‘Rio’ que, aliás, nem sequer constou na lista dos cinco finalistas de melhor animação em longa-metragem. A Academia preferiu ‘Kung Fu Panda 2’! Como escreveu André Barcinski esses dias, ‘quando colocam até Kung Fu Panda 2 para concorrer é porque realmente os filmes foram de péssima qualidade’. Pode até ser certo, porém, dentre os que assisti, tanto o brasileiro como ‘Um Gato em Paris’ e ‘Chico & Rita’ (este insuperável – ganha de ‘Rio’) valem a locação de DVD.
Diz-se ser o Oscar a festa de e para festejar o cinema hollywoodiano. Isto é mentira e faz tempo, mas os votantes custam a aceitar. Em 2012 pelo menos afrouxaram o nó e galardoaram ‘O Artista’ (melhor filme), Michel Hazanavicius (diretor de ‘O Artista’) e Jean Dujardin (ator do mesmo filme). A produção é francesa, tudo bem. Os EUA amam a França, tal. É um início, como com ‘O Último Imperador’, de Bernardo Bertolucci. Não justifica, entretanto, darem o Oscar de animação a ‘Rango’. ‘Chico & Rita’ tem infinitamente mais qualidade e, por ser realizado em um estúdio brasileiro, a Lighstar, também creio que Glauber não perdoaria os senis votantes: ‘Vocês que assinalam o X nessas cédulas comprovam que não há respeito para com a qualidade! Como têm a ousadia de eleger um desenho com um naipe tão reles como Rango? Vocês aí assinaram os seus atestados de incapacidade de pertencer à Academia e suas sentenças de morte no cinema!’
É evidente que Glauber, duvido, teria quaisquer chances de indicação para melhor filme estrangeiro. O sucesso que teve em Cannes seria dificílimo de ser repetido em Los Angeles. Mas estas elucubrações são válidas e são postas aqui porque ainda não digeri a vitória dos ‘Muppets’.
Mudo de assunto e comento sobre as demais premiações em geral. Contente pelo roteiro de Woody Allen – é o 3º Oscar em mais de 20 indicações; por Meryl Streep, pois assombra como Margareth Tatcher (era 17ª disputa, levou a 3ª – o filme ainda levou Oscar de maquiagem), mas se pertencesse à Academia votaria em Michelle Williams como Marilyn Monroe – impressiona como após sua viuvez ela só tenha feito ótimas interpretações e pelos técnicos a ‘A Invenção de Hugo Cabret’ (os dois de som – edição, mixagem– direção de arte, fotografia e efeitos especiais).
‘A Separação’ tinha de ganhar como estrangeiro. Os adversários eram fracos, apesar de o belga ‘Bullhead’ ser interessante e comovente em certo sentido. Dos coadjuvantes, venceram os favoritos– Octavia Spencer por ‘Histórias Cruzadas’ e Christopher Plummes por ‘Toda Forma de Amor’. Aceito a primeira, mas prefiro Max Von Sydow em ‘Tão Forte e Tão Perto’. ‘Os Homens que Não Amavam as Mulheres’ levou o de edição. Tem bom script e irretocável interpretação de Rooney Mara. ‘Os Fantásticos Livros Voadores do Senhor Morris Lessmore’ mereceu por ser o melhor curta animado. Ademais, não tive como ver documentários em longa e curta-metragem.
Sobre a festa do Oscar em si, adorei a volta de Billy Crystal. Ele é o melhor apresentador da minha geração, sem dúvida alguma. A tradicional abertura com ele satirizando os filmes – e este ano teve até beijo na boca em George Clooney –, além da música cantada por ele, são amáveis. Todavia, a organização precisa repensar certos quadros. Por que tiraram as músicas e seus intérpretes das canções originais? Por que tiraram os Oscars honorários da cerimônia? Foi louvável a iniciativa da apresentação do Cirque Du Soleil e também muito bom em não ter mais aqueles cinco atores ou atrizes falando sobre os indicados. Este ano coube a um só fazer isso, e nem tão necessário é assim. Por isto que digo que fazer o simples atualmente é complicadíssimo.
Por fim, discordo dos que afirmam que 2011 foi um ano horrível para o cinema. Vendo o Oscar, concluo que foi um ano de filmes muito bons, mas fora dos Estados Unidos. Claro, com as raras exceções. Bato palmas a ‘Meia-Noite em Paris’, ‘Sete Dias com Marilyn’. E faço reverências aos ‘estrangeiros’ ‘O Artista’, ‘Um Gato em Paris’, ‘Chico & Rita’, ‘Rio’, Damien Bichir em ‘Uma Vida Melhor’ (mexicano indicado a melhor ator) e ao sueco Max Von Sydow. Espero que a safra 2012 nos contagie mais. Senão, Glauber Rocha com certeza terá calafrios em sua tumba. Bom, se caso ele se importasse com esta indústria imperialista que quer porque quer dominar o mundo.