Brilho aos olhos (publicado originalmente em 7/2/2012)

Desde que assisti a ‘O Artista’ (estreia sexta-feira no Brasil), há uma semana, aumentou a minha ansiedade para ver a abertura dos envelopes do Oscar. O motivo é triunfante: em muitos anos, pela primeira vez a Academia de Artes Cinematográficas pode consagrar um filme fora dos EUA e, de ainda mais impacto, totalmente rodado em preto-e-branco e mudo. Eles conseguirão?

Quando escrevo ‘eles’ me refiro a ambos: a Academia e ao longa. Seria um feito tão ou de maior importância de quando Hattie McDaniel ganhou o Oscar de atriz coadjuvante em 1940 e se tornou a primeira negra a carregar a honra. Para os votantes, difícil é a decisão entre este e os demais concorrentes, dentre os quais estão os fortes ‘Histórias Cruzadas’ e ‘Os Descendentes’.

‘O Artista’ é meu favorito. Amo a saudade. Se for lembrança de épocas que nem vivi, todo o sentimento dobra. Esta obra-prima do diretor e roteirista francês Michel Hazanavicius detém características primordiais para ser magnífica. É despretensiosa, ousada, segura e emocionante. Passa-se em 1927 e lembra um pouco ‘Cantando na Chuva’ (1952), mas e daí? Quem se importa?

Na trama, George Valentin (Jean Dujardin) é o astro do cinema mudo dos anos 20. Seu charme e simpatia cativam donzelas. Ele adora se achar o tal. Com caras e bocas, tem o salário mais alto da empresa produtora e é galanteador, mesmo sendo casado com Doris (Penelope Ann Miller). Ele conhece Peppy Miller (Bérénice Bejo), a aspirante a atriz. E chega o cinema falado.

Valentin desdenha da situação nova –‘Este pode ser o seu futuro, não o meu’ – diz para o diretor e empresário Al Zimmer (John Goodman) assim que vê os testes iniciais do cinema com som. É claro que o ator está errado. Pagará caro por isto. Enquanto se defronta com a derrocada da carreira, vê de camarote a ascensão de Peppy, sua pinta sexy e a voz que todos querem ouvir.

O agora ex-astro está acabado. Suas novas produções são ferozes fracassos e a idade já é problema– ‘Deve-se abrir caminho aos jovens!’– brada Peppy em uma entrevista, sem saber que Valentin a está escutando. A partir daí, crises de depressão, leilões de roupas e utensílios de casa acontecem. Até que o ator toma a última decisão de sua vida. Mas ele é capaz de torná-la real?

As participações afetivas de Goodman e James Cromwell fazem bem ao filme. Não posso esquecer o cão Uggie, peça fundamental para que ‘O Artista’ tenha a ternura que tem. Dujardin e Bérénice complementam exemplarmente o elenco. Hazanavicius primou por esta ideia básica e imprescindível: ter nas mãos os atores e fazer deles mestres em ação. É o que costumo defender.

O detalhamento do roteiro também contempla o público curioso. Mostra os bastidores de um cinema na Europa na década de 20. Logo no começo, vemos Valentin em cena e a orquestra na borda da telona executando a trilha sonora da fita. No fim, segundos de tensão do elenco na coxia são substituídos pelo alívio dos aplausos. Tudo sem um pingo de som e em preto-e-branco.

Você que lê esta coluna, já viu um filme mudo e em preto-e-branco? As pessoas, algumas, dizem não ter paciência. Pena. Nunca saberão como é. Com ‘O Artista’ pode-se abrir o novo lado na sétima arte. Em pleno século 21, produções sem som e sem cores. Nada é tão maravilhoso e vanguardista. É complicado fazer o simples. Ou não. A película é um brilho para os nossos olhos.

Merece tudo de bom do que está sendo dito e escrito sobre ela e concorre a onze Oscars.

Rodrigo Romero
Enviado por Rodrigo Romero em 07/02/2012
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