O grande furo (publicado originalmente em 31/1/2012)
Desde a semana passada eu tenho tido a niilista impressão de que a fase da porcaria nos cinemas começa a chegar ao fim. As férias estão terminando, a criançada agora começará a fazer algo que preste e nós, aficionados pela sétima arte, poderemos nos deleitar com peças da crista da onda. Ainda mais porque na terça-feira passada foram anunciados os indicados ao Oscar. Isto fica para próxima semana, pois hoje o filme é resquício de janeiro: ‘As Aventuras de Agamenon, o Repórter’ (2011). Como se vê, acabamos o primeiro mês do ano com uma enorme ‘barriga’, e vocês entendam da forma como quiserem. E não me refiro à ex-grávida de Taubaté, que muito bem poderia ser a personagem de Luís Fernando Veríssimo para substituir Velhinha de Taubaté.
No jargão jornalístico, ‘barriga’ é um baita erro cometido pelo veículo de comunicação, e seja ele jornal, revista, TV etc. Em ‘Agamenon’ vemos isto, mas em versão cômica: ali, em desfile na telona, humoristas, jornalistas e atores desempenham apenas um papel: o de tirar sarro com eles mesmos. Agamenon Mendes Pedreira é um fictício jornalista do jornal ‘O Globo’ e foi criado 1989 por Marcelo Madureira e Hubert Aranha, da trupe do Casseta e Planeta. Mora em um carro Dodge azul com a esposa Isaura, bastante infiel, aliás. O longa é o pseudodocumentário onde são mostradas as passagens do colunista por diversos momentos históricos, como a Segunda Guerra Mundial, o afundamento do Titanic, o 11 de Setembro, entre outros. Em todos Agamenon estava.
Sem quaisquer preocupações em ser sério, o roteiro, que levou dois anos para ser escrito, satiriza Hitler, Leonardo DiCaprio e João Gilberto (sempre com seu pato) e tem como narradora Fernanda Montenegro. Sisudos, mas de mentirinha, são os depoimentos de famosos. Jô Soares, Susana Vieira, Nelson Motta (‘já falei em tantos documentários... Este é sobre quem mesmo?’), Fernando Henrique Cardoso, Caetano Veloso e Paulo Coelho dão seus testemunhos do trabalho de Agamenon e tecem elogios, críticas, piadas sobre o tal. Pedro Bial e Ruy Castro têm um pouco mais de destaque: o primeiro, o jornalista apto a realizar a façanha de entrevistar Agamenon; e o segundo, o escritor desejoso, às vezes bem chato, de fazer biografia não-autorizada do repórter.
Ao avacalhar com as imagens de si, Bial e Castro dão a sustentação que a fita necessita. Os instantes de Hubert (Agamenon adulto), Marcelo Adnet (Agamenon jovem) e Luana Piovani (Isaura) fazem seus chistes são superados com as aparições carrancudas dos dois jornalistas de verdade. Até F.H.C. se sai bem em cena. Desta forma, ‘Agamenon’ é o grande furo porque vemos ‘novos atores’ surgindo. E para deixar claro, o filme, apesar da proposta de ter o protagonista em lugares diferentes da história e ser documentário falso, em nada se assemelha ou lembra ‘Zelig’ (1985), produção de Woody Allen acerca do homem-camaleão. A fita de 27 anos atrás possui a qualidade dos grandes, enquanto a brasileira faz troça em cima de troça de tudo e de todos ali.
Agamenon, com os tiques e andar quase militar, formou gerações de leitores de ‘O Globo’ e deu força para que os rapazes emplacassem o programa solo na emissora carioca. Nos últimos tempos, desgastados, saíram de cena. Prometem voltar em 2012, em temporadas somente. Para alguns, ótima novidade. A outros, ‘grande novidade...’ De resto, parabéns a Pedro Bial e Ruy Castro.
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