Gentil, inteligente e importante (publicado originalmente em 24/1/2012)
‘Nasci em 1911, no Mississipi.’ ‘E sabia que quando crescesse seria empregada doméstica como sua mãe?’ ‘Sabia.’ O diálogo se dá entre a jornalista iniciante Skeeter e a serviçal Aibillen, negra. É a cena de abertura de ‘Histórias Cruzadas’, filme de 2011 que estreia no Brasil mês que vem. Vi-o semana passada e escrevo sobre ele hoje, pois a esta hora todos os indicados ao Oscar – cuja festa é 26 de fevereiro –foram divulgados e com certeza esta fita impactante terá algumas indicações, sobretudo em duas categorias: melhor filme e melhor atriz. Tomara que esteja certo.
O longa desnuda um pouco do cotidiano dos negros na cidadezinha de Jackson, Estado do Mississipi, nos anos 1960. Nesta época o racismo era imperioso praticamente em todo o país e até Marthin Luter King surgir eles penaram um bocado. Os negros eram obrigados a sentar lá nos últimos lugares dos ônibus, não tinham direitos a quase nada e tudo o que faziam era muito bem separado dos brancos. Ver ‘Histórias Cruzadas’ nos remete imediatamente a um clássico do ecrã: ‘O Sol é para Todos’ (1962), onde Gregory Peck interpreta o advogado branco disposto a defender o empregado negro acusado de estupro. O cenário é a década de 30, mas dá na mesma.
A obra de 2011 tem Skeeter (Emma Stone), uma aspirante a escritora e repórter, branca, que tem a ideia de mostrar a todos o dia-a-dia das moças ‘de cor’ por meio do livro que lançará. Tal e qual da elite do lugarejo, se revolta com o tratamento dado aos pobres (leia-se ‘aos negros’) e decide conversar com cada uma das babás e empregadas, puxando o tapete da ignorância e do desprezo. Aibillen (Viola Davis) é seu primeiro alvo e as revelações são repugnantes e execráveis.
Brotam outras, especialmente Minny (Octavia Spencer), a rebelde. Ela apronta das suas e nem contarei sua travessura porque é mais delicioso descobrir assistindo. E do lado oposto estão as patricinhas patroas. Como diz no filme, ‘as meninas que tiveram meninas e não sabem fazer nada’, ou seja, garotas de 18 ou 19 anos que são mães e contratam as negras para serem mães de suas filhas. Os destaques são a maldosa (tinha de haver uma) Hilly (Bryce Dallas) e a espevitada (amiga das oprimidas) Celia (Jessica Chastain). Prestem atenção nos tais banheiros separados.
Dirigido pelo novato Tate Taylor (tem outros trabalhos como ator) e baseado no livro de Kathryn Stockett, ‘Histórias Cruzadas’ nos dá lição de moral. É certo que cansamos de pieguices, porém não me refiro a isto. Taylor arranca brilhos do elenco, com relevo a Viola e a Octavia. São transposições de sentimentos através de olhares, gestos mínimos e as lágrimas. A reconstrução da época também está sublinhada. Toda a direção de arte e figurino, idem. E ainda sem idade a tanto, Sissy Spacek dá o ar da graça na pele da mãe gagá de Hilly, em atuação digna de aplauso. Como Taylor conseguiu tanta qualidade fazendo tudo? Ele dirigiu, roteirizou e é produtor executivo. É o segundo longa como diretor. Parece ser um veterano de larga vivência no cinema.
Aibillen ensinou à pequena Mobley (as gêmeas Eleanor e Emma Henry), a filha de Hilly, a frase ‘você é gentil, inteligente e importante’. Estes adjetivos se aplicam a ‘Histórias Cruzadas’. Taylor nos dá a produção de presente, aglutinando bastante gentileza e inteligência, nos dando a importância merecida. Certamente, não é um filme descartável como tantos que vemos por aí.