Universo em Tela - ou de como crianças ensinam adultos.

(texto originalmente escrito em julho/2010)

Coisa de criança.

É desse modo que os filmes de super-heróis são considerados pela grande maioria das pessoas, sejam elas amantes, críticos ou apenas frequentadores eventuais das salas de cinema. Filmes desse gênero dificilmente recebem atenção crítica maior do que um press-release da obra ou, no caso de alguns sucessos de bilheteria (como ocorreu com o primeiro filme do Homem-Aranha em 2002), recebem uma ou outra indicação para categorias menores do Oscar, como “efeitos especiais” ou “som”. Independente da qualidade do filme, o fato de se encaixar numa categoria de “super-heróis produzidos em hollywood” já faz com que grande parte da crítica torça o nariz e acabe não dando a devida atenção a esse gênero (como ocorreu com a adaptação para as telas de Watchmen em 2009).

Mas talvez seja hora de colocarmos o preconceito de lado e prestar atenção naquilo que se está fazendo com esses super-heróis.

Desde que terminou a produção de Homem-Aranha 3, a Marvel Comics (que ao lado da DC Comics detém os direitos de cerca de 90% de todos os heróis de quadrinhos existentes), a partir de sua divisão de cinema, resolveu apostar num projeto inovador: a adaptação para as telas de Os Vingadores, grupo de heróis que fizeram extremo sucesso nos quadrinhos entre os anos 60 e 80. Era uma iniciativa ousada: a idéia era, pela primeira vez, levar às telas de cinema um grupo de heróis extremamente distintos, que possuíam suas próprias histórias solo, mas que, quando necessário, trabalhavam em grupo para enfrentar alguma ameaça grande demais para qualquer um deles derrotar sozinho. E fazer com que esse grupo de personagens tão antagônicos fizesse sentido em si era algo que os produtores sabiam que seria extremamente difícil, pois já existira uma tentativa de fazer algo do tipo em A Liga Extraordinária, de 2003, e que não se obteve sucesso.

Diante desses problemas, os Estúdios Marvel usaram de uma técnica inusitada: porque adaptar os quadrinhos ao cinema, e não o contrário?

Nesse sentido, seus heróis passariam por toda uma reformulação, começando pelo Homem de Ferro em 2008. Foi a partir desse filme que se introduziu um conceito novo, não apenas para seus heróis, mas para o cinema em geral: a criação de um Universo que seja maior do que o filme.

Até aquele momento, filmes eram como livros: cada um possuía seu próprio universo, que poderia ser reutilizado em alguma seqüência, mas que não interagiam entre si. O universo de Rambo, de guerras que variam do Vietnã à da Coréia, era completamente restrito àquela franquia, e seus eventos não influenciavam outros títulos que passavam pelo mesmo período e temática, como Braddock e Força Delta. Assim como o universo de Harry Potter não possui influência sobre outras obras fantásticas da mesma época, como o livro Lugar Nenhum de Neil Gaiman, o universo dos filmes também possuíam um fim em si próprios, em que eventos e personagens não possuem vida além dos 90 minutos da película.

Isso começou a ser mudado em 2008, com os lançamentos de Homem de Ferro e O Incrível Hulk. A partir desses dois filmes pode-se começar a perceber de que aquele universo não é mais restrito pela película, e há uma intereção de pessoas e eventos entre eles. As Indústrias Stark, por exemplo, não se limita a ser mero pretexto para explicar a riqueza de Tony Stark (personagem de Robert Downey Jr.) e o porque dele ter ter recursos tecnológicos suficientes para criar a armadura que o transformaria no Homem de Ferro, mas realmente assume a função que lhe foi atribuída, a de gigante no segmento armamentista, e aparece como fornecedora de equipamentos para o exército que caça o monstro verde em O Incrível Hulk. Esse “rede” de eventos foi se fechando cada vez mais com os lançamentos de Homem de Ferro 2 (2010) e Thor (2011), aumentando a importância de eventos ocorridos em outros filmes e fechando cada vez mais esse universo próprio que não é sujeito às mudanças de direção ou roteiro. Isso é percebido claramente quando, entre outras coisas, em Homem de Ferro 2, o personagem agente Coulson da S.H.I.E.L.D. se despede de Tony Stark, dizendo-lhe que irá abandonar a supervisão do mesmo para resolver alguns negócios no Novo México e, logo no próximo lançamento dos Estúdios Marvel, possui papel importante na trama de Thor, onde o Deus nórdico e seu martelo Mjölnir são expulsos de sua morada celestial e acabam caindo em meio ao deserto do Novo México; ou, ainda nesse último filme, quando a cientista Jane Foster (a quem Nathalie Portman empresta toda sua beleza e charme) vê toda sua pesquisa sendo confiscada pelo exército e seu mentor lhe pede para que não fizesse nada, pois soube de um cientista que havia se metido com “aqueles caras” e desde então ninguém nunca mais o vira, numa alusão clara ao Dr. Bruce Banner e aos eventos de O Incrível Hulk.

Assim sendo, criou-se um universo fictício, com todas suas particularidades, mas que, ao contrário do que era então feito, estende-se para além das fronteiras de um único título, sendo muito mais amplo do que apenas a visão de um diretor ou roteirista sobre aquilo que, a cada lançamento, vai perdendo os moldes de um simples filme e se tornando cada vez mais um verdadeiro mundo, com sua própria mecânica e história. Essa última que promete ser um pouco mais desvendada no próximo e aguardadíssimo lançamento dos Estúdios, Capitão América: O Primeiro Vingador, que promete nos levar de volta aos anos da Segunda Guerra e explicar a origem de tantas coisas que já são realidade nesse universo que começou a ser criado em 2008.

Por mais que, individualmente, cada filme não seja nenhum marco, seja no cinema em geral ou mesmo na própria história dos filmes de super-heróis (nos quais o Homem Aranha de 2002 e Batman: O Cavaleiro das Trevas de 2008 possuem uma importância imensamente maior), temos em seu conjunto uma verdadeira inovação no modo de se contar uma história: o filme não é mais um universo em si, mas apenas o recorte de um universo infinitamente maior.

E essa, que talvez seja a mais concreta inovação na arte de fazer cinema nos últimos dez ou vinte anos, contrariando todos os críticos e “entendedores”, foi criada longe da Europa e de seus diretores de nariz empinado, egocêntricos e dados a escândalos.

Hollywood agradece.