Capa, espada e botas (publicado originalmente em 20/12/2011)
Uma das imagens mais difundidas nesses tempos de Internet, principalmente quando as pessoas teimam em mandar as delinquentes correntes de mensagens por correio eletrônico, é a do gatinho cor de laranja, cara de pidão e coitado, com os olhões esbugalhados, como se tivesse a ponto de ser trucidado por alguma coisa. Para quem não sabe, os traços referem-se ao Gato de Botas, personagem mundialmente famoso por ter sido amigo do ogro Shrek, a partir do primeiro longa-metragem (2001). Na verdade, a história do felino valente e metido a zorro vem de antes.
O parisiense Charles Perrault foi autor de diversos contos de fada, como os da ‘Cinderela’ e ‘Chapeuzinho Vermelho’, todos no século 17, e criou este defensor dos pobres e fracos, e isto lá em 1697. Dali pra cá, toda a aventura envolvendo feijões mágicos e o imenso castelo com a gansa que bota os ovos de ouro permeou o imaginário infantil (lembro-me de até um episódio do Pica-pau onde a Minnie Ranheta faz a sua chacota quando o passarinho lhe presenteia os tais feijões).
Com tantas sobras assim, estava na hora de fazer um filme exclusivo sobre o Gato. E onze dias atrás estreou ‘Gato de Botas’ (2011), animação dos estúdios Dream Works com distribuição da Paramount. Trata-se de um tapete vermelho aos clássicos de capa e espada, e acima de tudo homenageando Zorro. O sotaque espanhol carregadíssimo, dramático do Gato de Botas dá o tom da faixa de honra ao anti-herói todo vestido de preto. Nesta fita, o espadachim é alaranjado, tem o chapéu elegante, e as botas lustradas. E é um felino que faz miau e consegue tudo o que deseja com aquela carinha de sofrimento citada no parágrafo anterior – no filme ela surge duas vezes.
Na aventura, o protagonista não está sozinho. Tem a companhia de Kitty Pata Mansa, a gata habilidosa e provocante, e a do ovo falante Humpty Dumpty, o ‘cabeça’ da trama, para fazer o trocadilho barato. O propósito é pegar os três feijões mágicos que estão com Jack e Jill, o casal de ladrões, para, enfim, salvar a honra do Gato de Botas, escorraçado de San Ricardo, donde ele fugiu da polícia por ter sido acusado injustamente de roubar um banco. Em toda a película, cada personagem possui seu carisma e charme: o Gato é paquerador e justiceiro, Kitty é lisa feito uma enguia e Humpty bola os planos, com suas construções de engenharia, para se dar bem na vida.
O cheiro bizarro, e até em certo ponto surrealista, de ‘Gato de Botas’ – a mamãe ganso é gigante e quase aniquila San Ricardo, por exemplo – se contrapõe com os inventivos números de dança dos gatos num salloon, e também os passos coreografados do Gato de Botas e Kitty, com referências a tango, salsa e flamenco. O longa ainda vale a pena pela excelente fotografia. Há as cenas noturnas nas quais a lua cobre toda a telona. No mais, tendo as vozes originais de Antonio Banderas, Salma Hayek, Zach Galifianakis, Billy B.Thornton, Amy Sedaris e Guillermo Del Toro, ‘Gato de Botas’ tem como diretor Chris Miller, que está em seu segundo longa. Desta vez ele teve êxito, pois no de estreia, ‘Shrek Terceiro’ (2010), decepcionou fãs daquele ogro meio sem graça.
E ‘O Gato de Botas’ foi indicado a animação do ano no Globo de Ouro de 2012. ‘Rio’, não.
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