Tudo torto (publicado originalmente em 22/11/2011)
Tenho escrito neste espaço sobre os caminhos errados que o cinema toma nestes tempos. Nada há mais de autores, atores e produtores. Hoje em dia quase tudo se transformou em 3D ou em roteiros de digestão fácil, como, por exemplo, ‘Terror na Água’. Em cartaz há 20 dias aqui em Jacareí, o filme tem zero a acrescentar ao público. É diversão barata em terceira dimensão, cuja desnecessidade se revela relevante. Bom seria se perguntássemos ‘pra quê?’. Parece que querem banalizar clássicos da sétima arte propositalmente. Está claro a minha referência: ‘Tubarão’, de 1975, dirigido pelo então iniciante Steve Spielberg. ‘Terror na Água’ espelha-se nesta fita de 36 anos atrás, mas sua trilha é desnorteada. O diretor David R. Ellis trata a trama original como um homem sem respeito. Torna bizarro um longa-metragem, pondo-o na lista dos piores do ano, ou da década, como quiserem. Ficamos cegos a tanta bobagem na telona. ‘Terror na Água’ é apenas um borrão retalhado em um roteiro. Ellis, ele próprio, desacredita-se. Sentimos asco e vergonha.
A história conta a aventura de uma turma de universitários. Eles vão passar um sábado e um domingo na luxuosa residência de Sara (Sara Paxton), no interior. A casa fica em frente a um lago. Ali a moça reencontra antigas máculas, como o término do namoro com cicatrizado Dennis (Chris Carmack), rapaz pescador e acostumado ao sal. Aos poucos, o bando de adolescentes (às vezes temos a vontade de que fossem aqueles estudantes baderneiros da USP) começa a dar de cara com tubarões. Engolidos um por um, o mistério se finca na pequena aldeia. Tubarões num lago? Aí está o triunfo de ‘Terror na Água’. Não contarei do que se trata, porém imagine algo de rasa imaginação. Tem a ver com modernidade dos reality shows. Mas não consigo me acostumar a banalidades. Às vezes os longas tentam me forçar a tanto, e eu resisto de forma brava. ‘Imagine quanto uma pessoa pagaria por isto?’, indaga um personagem. E recorro a outra frase, adaptada, de igual ou maior reflexo: ‘Juro que nunca mais nesta vida eu verei um filme tão ruim de novo.’
Continuo com a minha reflexão dos reais motivos das redes de cinema de insistirem em exibir trabalhos deste nível nas salas. Notem o exemplo do filme do ano, ‘O Palhaço’. Uns 10 dias atrás, o excelente (no mínimo) roteiro de Selton Mello bateu seu primeiro milhão de pessoas de público. E sendo mostrado nos cinemas durante mais de três semanas. Qual é a razão de ‘Terror na Água’ estar em cartaz? O lado positivo é que hoje, quando a coluna está no jornal, o longa não mais figura no cinema, onde esteve por 14 dias, o que já é muito. Mas para quê o espaço? Tantas realizações estupendas aí e Jacareí e São José dos Campos ficam relegados a só esporadicamente receberem fitas de qualidade? Não é justo. Vejam Reserva Cultural de São Paulo. Em Jacareí os ingressos seriam vendidos da mesma forma, quantidade, porque as pessoas querem ir ao cinema e a maioria não avalia o filme em cartaz. Então assistiria produções boas ao invés de tijolos deste calibre de ‘Terror na Água’. Está tudo torto e os responsáveis querem deixar assim, bem torto.
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