Começar pelo telhado (publicado originalmente em 8/11/2011)
Jim Sheridan começou carreira como cineasta aos 40 anos com supersucesso 'Meu Pé Esquerdo' (1989). Aliás, ressaltei isto ao escrever sobre 'Entre Irmãos' (2009), o seu último trabalho até então. Sexta-feira passada estreou por aqui 'A Casa dos Sonhos'. Daniel Craig, o mais recente James Bond, estrela esta fita, ao lado de duas musas dos anos 00: Naomi Watts e Rachel Weisz. A primeira já pode ser catalogada como especialista em terror, ou vocês não se lembram do par de 'O Chamado'? A segunda, após levar seu Oscar de coadjuvante por 'O Jardineiro Fiel' (2005), parece ter perdido aquele encanto de antes. 'A Casa dos Sonhos' significa, em menor grau, o que 'O Apanhador de Sonhos' (2005) é para Morgan Freeman: ou seja, adianto neste primeiro parágrafo que a película nova de Sheridan é um caos. Mas tem seus méritos.
David Loucka – com esse nome – redigiu um script surpreendente, em certo ponto. Na história, o escritor famoso Will Atenton (Craig) rescinde o contrato com a empresa aonde trabalha para se dedicar à família – a esposa Libby (Rachel Weisz) e as filhas, as irmãs na vida real Taylor e Claire Geare (Trish e Dee Dee, respectivamente). As atrizes mirins são meigas bonitinhas, todavia comprometem o longa, pois a inexperiência falou mais alto neste setor. De volta à trama, os Atenton compram uma casa na qual, sem eles saberem, um brutal assassinato foi cometido 5 anos antes: toda a família morta e o principal suspeito é o pai. À medida que o tempo anda, fatos estranhos permeiam o cotidiano do então tranquilo lar. Will vai atrás de pistas para ver se consegue descobrir o paradeiro de Peter Ward, o tal matador da esposa e filhas.
J.Sheridan é o diretor que não seguiu o ditado à risca, de começar sempre a casa pelo piso, e não o teto. Ele iniciou a trajetória pelo telhado, 'Meu Pé Esquerdo'. Desde então vem construindo o chão de sua moradia: com exceção de 'Entre Irmãos' e 'Em Nome do Pai' (1993), as demais realizações foram aquém do aguardado, tais como 'Fique Rico ou Morra Tentando' (2005) e 'O Lutador' (97, que não é o de Mickey Rourke). A estrada de J. Sheridan, aliás, é bastante pretensiosa. De seus nove filmes, quatro receberam as indicações de prêmios como Oscar, Globo de Ouro, Bafta, Independent Spirit Awards, Goya e Festival de Berlim. Se 'Meu Pé Esquerdo' o levou à glória dos holofotes, 'A Casa dos Sonhos' pode se transformar em sua derrocada profissional, assim como ocorreu, por exemplo, Nicolas Cage, o ex-notável ator dos EUA.
Aí me pergunto, sempre: qual é a razão em aceitar estes papéis como os de 'A Casa dos Sonhos'? Os atores têm a oportunidade de ler o roteiro, discutir o convite com a produtora ou o diretor etc. Mesmo deste jeito, acatam, filmam. Tudo bem que o salário, cachê, é altíssimo, mas e daí? Entristeci-me, e isto é outro exemplo, quando Jack Nicholson fez recentemente 'Como Você Sabe' (2010), um trabalho de quinta categoria, diga-se. É o caso da mancha que ficará agora na carteira de trabalho de Craig, Weisz e Watts. É pena porque são profissionais com um nível alto de talento e se sujeitam a isto. Em relação a J. Sheridan, o comandante que começou pelo telhado, pouco a relatar depois de tudo. 'A Casa dos Sonhos' não vale a pena. Se você quiser se arriscar, veja. Se não, opte por 'O Palhaço', o brasileiro mais brilhante deste 2011.
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