Leon Cakoff (publicado originalmente em 18/10/2011)

Para todos os aficionados por cinema, estudiosos ou não, fanáticos ou não, sazonais ou não, saber da morte do crítico Leon Cakoff, dia 14, foi um choque. Tudo bem se lutava bravamente contra o câncer de pele de 2002 e os dois tumores no cérebro descobertos em dezembro passado. O artigo publicado por ele na Folha de São Paulo em maio último nos deu um belo exemplo de perseverança e fé, acima de tudo. Aos 63 anos, sucumbiu às enfermidades e nos deixou um baita legado. Sem ele jamais teríamos a Mostra Internacional de Cinema. Criada por seu esforço em 77, quando trabalhava no Masp (Museu de Artes de São Paulo), o evento teve durante seis anos intensa sabotagem de Pietro Maria Bardi (1900-99), fundador do Museu. Cakoff contou o fato a Antônio Abujamra no programa 'Provocações', da Cultura, em janeiro de 2011. 'Ele tinha muita inveja e fazia o possível pra nos atrapalhar', revelou. Em 84, L. Cakoff demitiu-se do Masp para se dedicar, em paz, à Mostra. E nesta sexta (21/10) a 35a. edição se iniciará em São Paulo.

É bem notório que a Mostra se fincou em Cakoff ad eternum. Ele nos apresentou pérolas de todos os cantos do planeta. Irã, China, Cuba, Polônia, Uruguai, Afeganistão, enfim, o mundo tem vez quando o show se aproxima. A cada temporada, enquanto ele vivia, nos perguntávamos quais novidades Cakoff nos brindaria. 'De onde será que Cakoff vasculhou as fitas?' E daí saíram maravilhas como apresentações de longas-metragens dos anos 1910, 20, 30, com orquestrações ao vivo, em teatros enormes, para os delírios dos participantes. A Mostra ganhou até programa de TV, também na Cultura, e atualmente detém horários nobres na emissora às quartas e sextas-feiras. Era apresentado pelo seu criador, que fazia um breve relato acerca da obra exibida e em seguida sempre a mesma frase: 'Fiquem agora com mais um filme da Mostra Internacional de Cinema da Cultura'. Como nunca fui à Mostra na capital, por falta de oportunidade ou de dinheiro mesmo, me contentava em assisti-la via telinha, e era, e sou, apaixonado por suas tantas sessões.

Cakoff não foi apenas a Mostra. Temos de lembrar que nasceu na Síria e veio ao Brasil aos 8 anos com o sobrenome Chadarevian. Alterou para este famoso na década de 1960, quando a ditadura militar o obrigou a se esconder. Chegou a ser empresário do músico Geraldo Vandré, o da canção 'Pra Não Dizer que Não Falei das Flores' ('Vem / Vamos embora / Que esperar não é saber...'). Amicíssimo do cineasta de Portugal, Manoel de Oliveira, ajudou-o em alguns roteiros e, no fim do século 20, passou também para a categoria de diretor de cinema ao lançar, em 1999, 'Volte Sempre, Abbas', um curta-metragem sobre a visita do cineasta Abbas Kiarostami à Mostra. Em 2004 produziu 'Bem-vindo a São Paulo', com visões de muitos diretores em relação à 'Terra da Garoa', amada tanto por ele. E sim, Leon Cakoff renascia todo dia.

Tentei entrevistá-lo algumas vezes para Coisas de Cinema. Não consegui. Respeito-o e o coloco em nível igual ou superior a outros decanos do cinema, como Paulo Emílio Salles Gomes, Rubens Ewald Filho, Glauber Rocha (sim, começou como crítico de cinema), Rubem Biáfora, Eli Azeredo, entre outros. Os amigos, ao lembrarem de Cakoff, se referiam ao homem com personalidade forte, decidido e afável ao mesmo tempo. 'Em tantos anos de amizade, não me recordo de uma briga', escreveu Ewald em seu blog. É isto que Cakoff deixou: amigos. Tomara que muitos Leons Cakoffs surjam. A Mostra segue em frente.

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Rodrigo Romero
Enviado por Rodrigo Romero em 18/10/2011
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