Não fumei. Só ouvi (publicado originalmente em 2/8/2011)
Eu já ouvira falar sobre a Sala São Paulo. Nunca havia ido lá. Mês passado fui duas vezes e posso afirmar terem sido os dias de mais emoção que passei. No primeiro nem tanto. O espetáculo durou pouco, mas porque cheguei atrasado. Esperei fora do auditório por meia hora. A Osesp (Orquestra Sinfônica do Estado de São Paulo) executara naquele dia, 9 de julho, canções da família Strauss – Johann e Johann Jr., Josef e Richard. O regente Frank Shipway contagiou a plateia com a sua batuta e dirigiu os músicos com a maestria de um arranjador experiente. Porém, o melhor ainda estava por vir. Chegou no sábado, dia 30.
Retornei, pois, à Sala São Paulo. O oboísta Arcádio Minczuk comemorou três décadas na Osesp. E festejou em grande estilo. Ele teve como maestro o irmão, Roberto Minczuk. Arcádio tocou apenas no primeiro terço da peça. Foi esplendoroso. O 'Concertino Para Oboé e Cordas', de Brenno Blauth, fez todos os presentes tocarem com Arcádio. Ele e Roberto se cumprimentaram várias vezes e, não menos, quase chegaram às lágrimas. No fim, aquele concerto estava sendo gravado e o CD será lançado em breve, com gratuidade aos assinantes da Osesp, além de poder ser copiado no computador. Depois, Richard Wagner.
Wagner foi maestro, compositor, diretor de teatro e ensaísta nascido em Leipzig a 22 de maio de 1813. A Osesp ensaiou, sob a gerência de R. Minczuk, trecho da obra 'O Anel sem Palavras', que faz parte da história 'O Anel do Nibelungo'. Trajetória de 26 anos de suor de Wagner para montar a peça. Sim, 26 anos de pura inspiração. É rara a apresentação integral, pois são muitas horas de paciência. Normalmente, o teatro que a apresenta a divide em quatro ou cinco dias. Na Sala São Paulo, a Osesp mostrou ao público uma pequena parte. E esta parte é a que exatamente contém o tal apoteótico 'A Cavalgada das Valquírias'.
Após o intervalo, uma hora e quinze de uma sensação única. Uma vez, o jornalista Paulo Francis (1930-1997) foi questionado pelo também jornalista Lucas Mendes, no programa 'Manhattan Connection', então transmitido pela GNT, o que sentia quando fumava maconha. 'Quando puxava um baseado só sentia vontade de ouvir Wagner', respondeu Francis, referindo-se a Richard Wagner. Bom, não precisei fumar e tampouco 'puxar' nada para escutar o compositor. Assim que a orquestra detonou o início da entoada de 'A Cavalgada das Valquírias', quem assistiu a 'Apocalipse Now' (1979) sentiu um arrepio em todo corpo.
As notas primordiais, os trombones em sequência, o palco iluminado pelo qual Wagner imaginou sua obra. Tudo na trilha lembra grandeza, ordem, força e potência. Não à toa, Adolf Hitler o admirava e a música era usada nos comícios, onde ele discursava hipnotizando multidões de alemães extasiados. Aliás, a palavra exata é esta: êxtase. Não há maneira de ficar imobilizado com o som wagneriano. Tudo faz você se sentir nas nuvens, e o clichê aqui cabe. Só coube a nós, reles mortais humildes, aplaudir a exaustão ao maestro Roberto Minczuk e a toda a Osesp, que em 30 de julho de 2011 nos fez sentir um pouco eternos.
Ah, e é bom informar: tanto no dia 2 como no último sábado, foram concertos a preços populares: R$ 15 e pronto. Qualquer lugar na Sala São Paulo era seu por R$ 15. Camarote, mezanino, coro, lugares na fila do gargarejo, tudo por R$ 15, repito. A cidade de São Paulo tem essas coisas de extraordinário. E o melhor: sem precisar fumar ou 'puxar' nada. Paulo Francis era bom, mas talvez não para escutar Wagner.
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