Allen e seu alto apetite (publicado originalmente em 12/7/2011)
Imagine fazer um filme cujos participantes coadjuvantes sejam Cole Porter, Ernest Hemingway, T. S. Eliot, Pablo Picasso, Luiz Buñuel, Henri Matisse, Paul Gauguin, Henri de Toulouse-Lautrec, Edgar Degas, F. Scott Fitzgerald, Zelda Fitzgerald, Salvador Dalí e Gertrude Stein. Imagine ainda reproduzir a Paris efervescente, melancólica e esfumaçada dos anos 1920, com todos os nomes imortais circulando por aí, discutindo cultura, livros, pinturas, política, amor e relacionamentos. E siga imaginando e se jogue no meio destas cobras, trocando as suas ideias com eles, debatendo o futuro do mundo, ou da sua rua mesmo, se deve ou não prosseguir com aquela moça ou arrancar o coração e dá-lo a outra. Tudo isto está em 'Meia Noite em Paris' (2011), o filme estreado há alguns dias e em cartaz no Cinemark do shopping Colinas.
A início de conversa, trata-se do mais recente trabalho de Woody Allen, por quem despejo toda a minha devoção, reverência. Totalmente rodada na Cidade Luz, a obra é uma tetéia mesmo ao público que desconheça a vida artística deste pessoal, escritores a pintores, passando à crítica literária Gertrude Stein. O mais importante e relevante é poder assistir à caída de queixo de Gil Pender (Owen Wilson, de 'Marley & Eu – 2010), escritor e roteirista fracassado de Hollywood, o alterego da vez de W.Allen. Ele vai a Paris com sua esposa Inez (Rachel McAdams, de 'Uma Manhã Gloriosa' – 2011) e os sogros John (Kurt Fuller, de 'Tratamento de Choque' – 2003) e Helen (Mimi Kennedy, de 'A Morte lhe cai Bem' – 1992). Então, Gil caminha pelas ruas da cidade à noite. À zero hora, um carro antigo vem buscá-lo para a farra do passado.
Allen foi um jovem aventureiro em Paris na década de 1960. Arriscou-se lá tentando ser escritor às empreitadas como o roteirista e comediante. E não é um pouco dele que está na França de 'Meia Noite em Paris'. É muito. As neuras, preocupações, angústias, agonias e insegurança do protagonista estão ali, emprenhadas na trama e fazendo com que os espectadores se sintam como ele e tenham vontade de estar onde ele está, no meio de Dalí, Fitzgerald, Hemingway etc. À medida que o filme caminha, Gil e Inez se afastam – ela se envolvendo com o 'pedante' Paul (Martin Sheen, de 'A Rainha' – 2008), ele com Adriana (Marion Cottilard, a 'Piaf: Um Hino ao Amor'–2009), musa dos anos 1920; a guia do museu (Carla Bruni, a senhora Sarkozy) e Gabrielle (Léa Seydoux). Mas o amor é abordado naquela forma alleniana, diga-se.
O cineasta conseguiu dar ao elenco de apoio (Adrien Brody, Kathy Bates, Corey Stoll, Marcial di Fonzo Bo, Yves Heck, Vicent Menjou, François Rostan, David Lowe, Alison Pill e Tom Hiddleston), tal como aos centrais um ritmo contagiante, demonstrando que, aos 75 anos, continua tendo a mesma energia e vivacidade de outrora. Para mim, o mais incrível foi Allen conseguir fazer de Owen Wilson um ator de categoria finalmente. Wilson está em cena totalmente mudado em relação as suas demais fitas da carreira.
'Meia Noite em Paris' é lindo, intrigante e competente na sua proposta. Como adoro Woody Allen posso ser suspeito, mas se for ver, concordará comigo. Ele põe Paris em seu colo e a nina, como se fosse um filho recém-nascido. Allen reina absoluto por trás das câmeras. Seu apetite está muito alto. Que bom.
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