'… E o Vento Levou' (publicado originalmente em 5/7/2011)
Existem filmes que de tão lendários, marcantes e extraordinários, por mais que escrevamos tudo e mais um pouco sobre ele, ainda assim será bem pouco. '… E o Vento Levou' (1939) é um destes. São, até hoje, tantos os comentários, dizeres e dúvidas acerca das gravações, bastidores e elenco, que um livro só, ou uma tese apenas é insuficiente. Demorei demais para assistir à fita. Quase quatro horas de duração não é para qualquer um. Tem de haver fôlego e ânimo, e adorar a sétima arte, para se dispor a ver a história de Scarlett O'Hara durante a Guerra de Secessão, conhecida também como a Guerra Civil Americana. Mas a trama de romance entre ela e os maridos, tal como as sofridas passagens de fome, frio e angústias, fazem ralo jus ao universo de encrencas e histerias com diretores (a fita teve três, um tomando o lugar do outro), atores, produtores. A começar pela opinião de Vivien Leigh, ao ser perguntada como foi contracenar com Clark Gable, beijá-lo. Sinceramente, ela teria respondido: 'Ele tem mau hálito.' Verdade ou não, vai saber.
Esta frase pode ser fruto da inveja. Ao comparar os salários de ambos, a discrepância é imensa ao padrão da época. Vivien ficou nos sets 125 dias e recebeu 25 mil dólares. Gable trabalhou 71 dias e levou a bolada de 120 mil dólares. Recentemente, uma caixa com cinco dvds – dois com o filme e três com os extras (remasterização, informações etc). A atriz teve a concorrência de mais de mil profissionais, sendo que umas 400 leram o roteiro. Ademais, '… E o Vento Levou' foi o primeiro longa a cores a ganhar Oscar de melhor filme e suas reprises, ao lado de 'Branca de Neve e os Sete Anões' (1937) e 'O Exorcista' (73), mostraram-se rentáveis. Aliás, bem rentáveis. O orçamento foi de cinco milhões de dólares. Este valor foi multiplicado por sete nos primeiros quatro anos de exibição. Hoje em dia, estima-se que calcular o valor da obra seja perder tempo. O que não foi desperdício: o revezamento da direção. Primeiro, George Cukor. Victor Fleming teve colapso nervoso; Sam Wood, William Cameron Menzies e, enfim, Sidney Franklin.
Um capítulo à parte deveria ser dedicado a Hattie McDaniel. Intérprete de Mammy, a governanta negra da fazenda O'Hara, a atriz não pôde comparecer à estreia de '… E o Vento Levou', em dezembro de 39, em Atlanta, por causa de sua cor. Ficou marcada na história do Oscar: a primeira negra a conquistar o troféu como coadjuvante. A sua atuação como a rigorosa babá é até os nossos dias a referência no que diz respeito a como se portar em frente às câmeras. Trocando de assunto, a sequência em que Scarlett anda no meio de corpos e sobreviventes da batalha de Gettysburg foi feita com a câmera em traveling aéreo, com guindaste de 43 metros de altura, que rolava por uma rampa de cimento armado. Foram mais ou menos mil extras e centenas de bonecos de cera usados na cena. E Scarlett era para ser interpretada por ninguém menos que a Bette Davis. Porém, recusou o papel porque pensou que trabalharia com um ator rival, Errol Flyn. No final, o ator nem chegou a participar do elenco e perdeu o papel mais marcante da década de 30.
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