O nosso eterno complexo (publicado originalmente em 28/6/2011)
Vocês se lembram de quando Nelson Rodrigues escreveu sobre complexo de vira-lata de nós, os brasileiros, por nunca ter ganhado uma Copa do Mundo? Então, 40 anos depois, o ator, autor, diretor Juca de Oliveira escreveu uma peça teatral que ficou em cartaz de 1998 a 2002 e atraiu pelo menos um milhão de pessoas a assisti-la. O nome: 'Qualquer Gato Vira-Lata tem uma Vida Sexual Mais Sadia que a Nossa'. Passam-se oito anos e o diretor Tomás Portella, ex-assistente de direção em trabalhos como 'Meu Nome Não é Johnny' e 'Lisbela e o Prisioneiro', resolve adaptar o texto de Juca à telona. Aposta arriscadíssima, pois são raros os transportes ao cinema dignos de notas altas, principalmente no Brasil – vide os casos de fracasso de 'Trair e Coçar é só Começar' e 'Irma Vap: O Retorno' (ambos de 2006). Mas eis que Portella e sua turma sacam das mangas alguns trunfos ao mesmo tempo desconcertantes e desleixados, cujo grande sucesso como resultado, pelo menos ao público menos exigente, é a coisa certa: convoca atores da Globo para o elenco, exagera em closes e filma a história como se produzisse um capítulo da novela das nove.
De qualquer forma 'Qualquer Gato Vira-Lata' (2011) – o resumo do título é proposital, no cinema é tudo – é uma obra ruim e tem este mérito de ponta a ponta. Nada escapa. Cléo Pires, Malvino Salvador e Dudu Azevedo, os protagonistas, estão impecavelmente fracos. A atriz, aliás, não consegue esconder a sua inexperiência em ficar à frente de uma trama. Está forçosamente garimpando seu lugar ao sol, porém a sombra de sua mãe, Glória Pires, insiste em cobri-la. Cléo se encaixa melhor, por enquanto, em papéis coadjuvantes. A sua sensualidade e rosto marcante não são suficientes para dar qualidade ao filme. Dudu e Malvino dão a impressão de estarem viciados em planos televisivos. Portella erra na dose e dedica o seu tempo a outras parte de 'Qualquer Gato Vira-Lata', como a trilha e o roteiro, também aquém do esperado. Outro ponto é a participação especial de Rita Guedes, protagonista da peça de teatro, no filme, como a ex-esposa (Ângela) de Conrado (Malvino). Tati (Cléo) e Marcelo (Dudu) são casal principal até então daqui. Eles vivem uma crise e Tati recorre a Conrado, o professor de biologia com tese polêmica, para ajudá-la.
A proposta de Conrado é a seguinte: as mulheres têm de ser totalmente submissas aos homens, e, portanto, não podem paquerar, e sim, deixar-se paquerar. Elas devem ignorar os brucutus até que eles, ao bel prazer de quando desejarem, corram atrás delas. Para Tati isto é o fim do mundo porque ela se arrasta por Marcelo. Amélia deveria ser o seu nome. Marcelo é dos mulherengos incorrigíveis. Ademais, quando o bon vivant percebe a aproximação entre Tati e o professor, se morde de ciúmes e aí inverte-se o caso: é Marcelo agora correndo atrás da bela dona. O enredo, como se pode notar, é bastante pobre, ingênuo e de nível raso. Se eu escrever aqui que surgirá uma atração entre Tati e Conrado vocês nem reclamarão, pois é o esperado. E este é o grande mal do cinema nacional patrocinado por empresas como a Globo Filmes: arrasta-se à telona atores conhecidos do público – saem da novela direto ao ecrã, com scripts frágeis etc, como citei anteriormente. Somos consumidos pelo complexo de vira-lata por causa dessa 'globalização'. Parodiando Nelson Rodrigues: o público tem o complexo de vira-lata e gosta de apanhar. Haja paciência.
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