Os três jotas (publicado originalmente em 7/6/2011)
Na época da redemocratização, o cineasta Silvio Tendler estava à toda. Beirando as três décadas de vida, ele preparava um documentário sobre Juscelino Kubitschek, morto há quase quatro anos. Então, em 1980, chegou aos ecrãs 'Os Anos JK'. Com depoimentos de gente da estirpe de Henrique Teixeira Lott e Magalhães Pinto, para não falar em Tancredo Neves e Renato Archer, o filme conta a caminhada deste Peixe-Vivo desde as Minas Gerais até a inauguração de Brasília. Entretanto, creio, uma obra com mesma estrutura de 'Os Anos JK' nos nossos dias ficaria esquecida e sem bilheteria (em cartaz, quase um milhão de pessoas viram). Os depoimentos são arrastados. Alguns chegam a ter perto de cinco minutos, duração eterna para espectadores acostumados a pílulas de tudo quanto é assunto. Baseado em vídeos e fotos, com narração do ator Othon Bastos, o documentário atraiu muito público exatamente por ser lançado bem no tempo em que o Brasil aspirava votar para presidente. A campanha das Diretas Já nem havia nascido, mas a vontade do povo era saber um pouco mais acerca do mineiro bom de valsa, mulherengo e carismático.
Tendler pegara o jeito. Por encomenda realizou em 81 'O Mundo Mágico dos Trapalhões', já tema desta coluna anos atrás. Foi o documentário de maior bilheteria na história do cinema nacional. Porém ele preparava outra fita com mais um personagem retido na memória dos brasileiros. Era o cunhado que não era parente, João Goulart, ou Jango, como ficou conhecido. Com trilha sonora de Milton Nascimento e de Wagner Tiso, 'Jango' (1984) respirava o Brasil verde e amarelo. O país pulsava as Diretas Já e dentre os entrevistados estavam Leonel Brizola, Afonso Arinos e a filha do ex-presidente, Denize Goulart, além do economista Celso Furtado. De semelhante tom 'de boi', lembrando a fala de Nelson Rodrigues, fiquei de fato com a sensação de que 'Jango' era o carro necessitado por alguém que o empurrassem. Impressionou-me, da mesma forma, a triste realidade: também não funcionaria em 2011. Pena, mas verdade. Tanto este filme como o outro estão desprovidos da agilidade de nossa época. Planos rápidos, por exemplo. E isto o cineasta conseguiu vinte anos depois, com 'Glauber: Labirinto do Brasil' (2003), sobre Glauber Rocha.
O título da coluna de hoje é 'Os três jotas'. Citei Juscelino e Jango. O terceiro, contemporâneo de ambos, claro, não poderia ser outro senão Jânio Quadros. O irreverente e polêmico político esteve como tema de uma película, apesar de ela não ser tão famosa como a dupla acima. Luiz Alberto Pereira fez em 1981 'Jânio em 24 Quadros', com arquivos da Cinemateca Nacional e uma entrevista bem esquisita de um senhor tomando banho! Calma. Só aparece a metade de cima. Entre ensaboadas e respingos de água, o tal sujeito traça o panorama de 1961, quando Jânio elegeu-se presidente e sete meses após renunciou. A fita é dificílima de ser achada. Assisti-a há algum tempo, exibida pela extinta TVE, do Rio de Janeiro e a minha impressão recaiu entre as melhores possíveis, mesmo ressabiado com o homem tomando banho. Do trio de jotas, para mim Jânio é sobressalente, merecedor de um trabalho a sua altura. E é sempre bom lembrar que dia 25 de agosto de 2011 se completará meio século das chamadas 'forças terríveis' com sua renúncia.
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