RAINHA DIABA ENCONTRA MADAME SATÃ

A Rainha Diaba é o pai de Madame Satã, na novela de Gilberto Braga, "Insensato Coração". Explico. Milton Gonçalves, um dos grandes atores brasileiros, interpreta o pai do personagem de Lázaro Ramos na novela das nove da Globo. Em 1974, Milton Gonçalves interpretou o personagem título de "A Rainha Diaba", de Antônio Carlos Fontoura, que era levemente baseado em Madame Satã, conhecido bandido da época de Getúlio Vargas, famoso por ser um "pederasta" violento e mestre na capoeira. Uma história cheia de violência e traições, "A Rainha Diaba" traz uma atuação estupenda desse ator Milton Gonçalves. Em 2002, Lázaro Ramos protagonizou "Madame Satã", uma produção franco-brasileira dirigida por Karim Aïnouz, que reconta parte da vida de João Francisco dos Santos, o Madame Satã, malandro, artista transformista, presidiário, pai adotivo de sete filhos, negro, pobre, homossexual, enfim, uma figura única. Com uma atuação brilhante, Lázaro Ramos mostrou ser um dos melhores atores de sua geração.

O objetivo deste artigo não é mostrar essa coincidência, mas chamar a atenção para um aspecto que passa despercebido em tempos nos quais impera o politicamente correto. Temos, na novela, dividindo a cena, dois ATORES soberbos. Milton interpreta um homem de comportamento vil, um mau elemento. Lázaro é o seu filho, um homem bem sucedido profissionalmente, mas com uma vida sentimental atribulada.

Há alguns anos, Milton Gonçalves foi criticado por interpretar um político rico e corrupto em "A favorita". Para alguns sociólogos, o personagem era irreal e o ator Milton não deveria fazer ecoar o que foi tachado de "propaganda ideológica de direita da Globo". Milton protestou e disse que, para um ator, o vilão é mais rico que o mocinho: "Meu lado artístico pede vilões!".

Lázaro Ramos, por sua vez, interpreta um galã. E isso, parece, chocou muita gente. O que gerou até um quadro em um certo programa da RedeTV, "o Lázzaro Ramos da vida real". Qual é o empecilho? O fato do ator ser negro? Ou ser feio? Seja como for, muitos dizem que aquela personagem não reflete "a vida real", mas, que eu saiba, a novela "Insensato coração" é uma obra ficcional. O que vejo são dois atores excelentes em cena e é dessa forma que eles devem ser avaliados. Quanto ao texto, à criação das personagens, quem tem de responder é Gilberto Braga, o autor de "Insensato Coração".

O patrulhamento politicamente correto, ou seja, a ideia de que eles, como negros, deveriam representar algo que "dignificasse" os afrobrasileiros, na verdade, é uma redução do trabalho de Milton e Lázaro. Se eles estão entre os grandes atores brasileiros, não foi pela cor de suas peles, mas pelo imenso talento e capacidade de observação na construção de suas personagens. E isso transcende questões "raciais" e reflete a visão de mundo de ambos, que merece ser respeitada. O talento pode mais!

Deixem Madame Satã e Rainha Diaba em paz!