'Inverno da Alma' (publicado originalmente em 15/3/2011)
Duro, cru, reto e incolor. Assim são os 100 minutos de 'Inverno da Alma' (2010), filme saído do Oscar deste ano sem quaisquer prêmios. Todavia, não o considero derrotado. Li e vi especialistas dizerem ser este longa o principal destaque da safra passada, uma das mais rasas dos últimos tempos em relação a qualidade de história e filmagem propriamente dita. Vi os dez concorrente à principal honraria da noite e escolhi também 'Inverno na Alma' como o mais sobressalente deles. Trata-se duma produção inigualável.
Seu enorme trunfo é não descambar à risadaria à toa. Não existe um momento sequer de humor, o instante de provocar nem que seja um leve sorriso de canto de boca. Nada. Em todo 'O Inverno da Alma' a tensão predomina, e vem quase sempre carregada de medo, angústia e depressão. A novata Debra Granik dirige a trajetória de Ree (a também iniciante Jennifer Lawrence), adolescente disposta a tudo para salvar a casa e, desta forma, seguir a vida simples e pacata ao lado dos irmãos crianças e da mãe doente mental.
O imóvel está para ser perdido graças a uma trapaça do pai da jovem, fugitivo da polícia. E se ele faltar a um chamado da Justiça, a família perderá este único bem. Ree então sai à caça do pai e encontra só desgraça atrás de desgraça. Eles moram num povoado rural dos Estados Unidos, e naquelas terras toda a população se conhece, além de ser meio parente. Ao tentar pedir ajuda a estes 'familiares', Ree recebe a rispidez e truculência dos 'conhecidos', dentre eles o seu tio Teardrop (John Hawkes, estupendo em cena).
O impressionante na fita é a sua insensibilidade. Debra reluz ao mostrar todo o sofrimento físico e mental da heroína Ree sem nenhuma esperança ou pelo menos alguma confiança. Nem ao certo Ree tem a segurança em si própria. Apanha, é ameaçada de morte e quase é abusada sexualmente, mas não há quem a derrube. Este totem humano é a fortaleza da trama, pois Jennifer, deverasmente com uma missão muito difícil nas mãos, consegue segurá-la com atuação para lá de firme, e além do mais possui beleza de sobra.
A Academia de Artes deu a 'Inverno da Alma' quatro indicações ao Oscar: filme, atriz (Jennifer), ator coadjuvante (John Hawkes) e roteiro adaptado (Debra e Anne Rosellini, baseado em livro de Daniel Woodrell). Eles foram embora do teatro Kodak com mãos vazias, mas o que isto importa? Debra também merecia o apontamento como diretora, porém tudo é bem injusto. Como a própria declarou, ela se sentia 'uma extraterrestre no meio daqueles astros todos'. Talvez tenha razão... Entretanto em 2010 a Academia levou à cerimônia, com raríssimas exceções, os longas-metragens cujo mote era a desesperança completa.
Com orçamento barato – só US$ 2 milhões – e considerado o melhor filme independente do ano passado, 'Inverno da Alma' entra na lista de 'Closer' (2004), 'Juno' (2007), 'Frost / Nixon' (2008), 'Pequena Miss Sunshine' (2006), entre outros. Estas foram películas de orçamentos de pinga que renderam lucro e elogios de todos. 'Inverno da Alma', contudo, é seco e perverso, adjetivos ausentes nos demais citados. E aí fica a pergunta: será este o motivo de a Academia tê-la preterido? Pra mim, este filme já é um clássico.
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