Injustiças do Oscar – Filmes (texto-bônus ao Recanto das Letras)

Steven Spielberg fez bem ao lembrar, antes de anunciar ‘O Discurso do Rei’ (2010) como grande vencedor do Oscar de melhor filme, sobre os outros nove longas-metragens, digamos assim, ‘perdedores’. Disse o diretor de ‘E.T.: O Extraterrestre’ (1982): ‘Quem não for o ganhador entrará para a lista de nomes como Cidadão Kane, Vinhas da Ira e Touro Indomável.’ Bastante aplaudido, o cineasta conseguiu abrir a lacuna doente da Academia de Artes e Ciências Cinematográficas, organizadora do Oscar. Desde o ano de 1929, quando em 17 de maio os primeiros troféus chegaram às mãos dos vitoriosos, existe uma expansiva tabela dos esquecidos ou injustiçados, como preferem alguns. Além do trio citado por Spielberg, dezenas de outras fitas ficaram sem levar para casa a cobiçada pequena estátua. Há dois motivos para isto: ou no ano ganhou um filme imbatível (‘... E o Vento Levou’ em 1939, ‘O Grande Motim’ em 1935 e por aí vai) e não haveria como distribuir dois prêmios, ou então os votantes da Academia agiram com desrespeito e, de birra ou quaisquer outros motivos, elegeram histórias tolas e deixaram outras perfeitas no ralo (‘Como era Verde o meu Vale’ em detrimento a ‘Cidadão Kane’ em 1941, ‘Os Melhores Anos de Nossas Vidas’ sobre ‘A Felicidade não se Compra’ em 1944 etc). Desenvolverei aqui os pretextos e lembrarei de nomes.

Para começo de conversa, é bom lembrar o perfil das pessoas aptas a botarem a caneta em ação e consagrarem ou espinafrarem uma obra. Eles são velhos, ultraconservadores, receosos quanto a comédias e indigestos com histórias infantis. Apreciam trabalhos voltados à elegância extrema, geralmente portando figurino de época e com o inglês de sotaque da Inglaterra. ‘O Discurso do Rei’ é a prova de 2010. Como se descreve, por exemplo, a não ida sequer para a lista dos cinco melhores, a fabulosa trama do mestre do suspense Alfred Hitchcock ‘Intriga Internacional’ (1959)? Conformo-me, apesar disso, porque neste ano quem conquistou o Oscar foi ‘Ben-Hur’. Porém, pelo menos o apontamento deveria ter sido feito. E olha que Hitchcock era inglês. A superprodução ‘Cleópatra’, de 1963, figurou entre os indicados, entretanto o galardoado foi ‘As Aventuras de Tom Jones’. O político ‘Z’ (1969) deveria ter ficado com o Oscar, e não ‘Perdidos na Noite’. O hoje clássico ‘2001: Uma Odisseia no Espaço’ (1968) faz companhia a ‘Intriga...’, pois nem entre os cinco ficou quando ‘Oliver!’ abocanhou a taça. O então inovador ‘O Exorcista’ (1973) perdeu para ‘Golpe de Mestre’. Os jornalistas de ‘Todos os Homens do Presidente’ (1976) viram ‘Rocky, um Lutador’ levar o Oscar. Por qual razão ‘Apocalipse Now’ (1979) perdeu a ‘Kramer versus Kramer’?

O indelével Paulo Francis escreveu quando ‘Gandhi’ ficou com o troféu em 82 e o tirou de ‘E.T.’: ‘Gandhi é o melhor filme do ano. Mas do ano de 1958.’ Genial como sempre, Francis não se conformou pela história do ser de outro planeta ser rejeitado pela Academia, mesmo com todos os seus efeitos visuais futuristas à época e protagonistas de diversos elogios. Creio eu poder parafraseá-lo aí com ‘O Discurso do Rei’. ‘Cisne Negro’, ‘Toy Story 3’ e ‘127 Horas’ eram mais bem acabados se comparados à história do rei gago. Contudo, vem o colegiado de bengala e diz o contrário. Outra jornalista, Ana Maria Bahiana propôs aos anos seguintes o que é feito já com o pessoal do Globo de Ouro: apenas os ainda na ativa têm direito a voto. Livraríamos-nos de injustiças como as com ‘Os Bons Companheiros’ em 1990 (ganhou ‘Dança com Lobos’), ‘O Carteiro e o Poeta’ em 95 (‘Coração Valente’), ‘Los Angeles: Cidade Proibida’ ou ‘Melhor é Impossível’ em 97 (‘Titanic’), ‘O Sexto Sentido’ e ‘O Informante’ em 98 (‘Beleza Americana’)? Não é tão simples a resposta. Nas últimas duas décadas o número de frustrações duplicou. As maiores ocorreram em 03 e 05 quando ‘O Senhor dos Anéis 3’ e ‘Crash: No Limite’ pisaram em ‘Encontros e Desencontros’ e ‘Sobre Meninos e Lobos’ (03) e ‘O Segredo de Brokeback Mountain’ e ‘Boa Noite e Boa Sorte’ (2005).

Não sei se você que me lê tem outra explicação a tantos deslizes da Academia. Se pudesse votar, escolheria para o melhor longa-metragem de 2010 ‘Cisne Negro’ e, em segundo lugar, ‘Inverno da Alma’.

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Rodrigo Romero
Enviado por Rodrigo Romero em 28/02/2011
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