Cada vez melhor (publicado originalmente em 1/2/2011)
Pode ser o cartaz de Carlos Gardel pouco conhecido nestes dias por aqui. Àqueles com idade acima, sem dúvida o ídolo franco-argentino soprou-lhes nos ouvidos canções jamais esquecidas, entoadas pelos violões românticos das praças sob iluminação de lampiões. Recentemente chegou ao Brasil o DVD de um dos trabalhos de destaque do cantor-ator nas telonas: ‘El día que me quieras’ (1935). Lançado no ano em que ele morreria num trágico acidente aéreo, aos 44, deixando enlutada boa parte das moças e senhoras do país do tango, e aliviada a maioria dos seus maridos, o filme nada mais é do que cenas a Gardel aparecer e distribuir o tal brilho a quem desejasse observar. A música do título, aliás, já é entoada logo nos primeiros minutos, quando Júlio, personagem do artista, se declara totalmente à amada Margarita (Rosita Moreno).
Em resumo, o roteiro do paulistano Alfredo Le Pera (vítima da mesma batida de avião, aos 35 anos) trata de um jovem (Gardel), cujo pai milionário, Carlos (Fernando Adelantado), quer que case com uma mulher não amada por ele. Então, quando Júlio anuncia sua união com Margarita, seu pai o deserda. É aí o início da desordem na vida do aspirante a cantor. As apresentações nas boates são raras, a esposa adoece e o dinheiro falta. Com filha pequena para criar, bate o desespero (claro, sem despentear os cabelos pretos impecavelmente com gel do artista). Em uma tentativa última de conseguir algum, Júlio rouba o próprio pai. Porém é tarde. Ao chegar em casa, a amada está morta. Tangos à vista. Com letras depressivas, ‘El día que me quieras’ salta anos. Agora Júlio e Marga, a filha com 18 anos (interpretada igualmente por Rosita), fazem sucesso na Europa na companhia dos amigos Saturnino (Manuel Peluffo) e Rocamora (Tito Lusiardo). São as reviravoltas da vida e Gardel soltando a voz aveludada para multidões.
‘El Mago’ – um dos apelidos do cantor – era ator limitado, mas bastava estar na tela para as salas de cinema abarrotarem de fãs nervosas. Ele comportou-se dramaticamente em frente à câmera. A culpa pode ser creditada ao diretor austro-germânico John Reinhardt, mas fazer o quê? Era época das feridas abertas, onde qualquer espirro poderia ser motivo para 20 ou 30 composições de tangos para Gardel dar o tostão de seu gogó. Mal comparando, sucedeu isto com o rei Roberto Carlos nos anos 60 e 70. Em meio a cadilaques, brasas-mora, ele protagonizou filmes bem discutíveis, de títulos como, por exemplo, ‘Roberto Carlos a 300 Quilômetros por Hora’ (72). Entretanto, a devoção da Argentina a ‘El Mago’ é, até hoje, inacreditável. Pergunte a alguém nascido lá, ainda que com os 17 ou 21 anos, sobre o ícone máximo. ‘Ele canta cada vez melhor’ é a resposta deles depois de quase 76 anos de falecimento, nos ares da Colômbia.
‘El día em que me quieras’ foi o derradeiro trabalho de Gardel. Havia filmado 11 longas e 9 curtas em 18 anos de carreira como ator. A música-título é atualmente uma das mais cantadas na América Latina e sempre é lembrada nas listas das melhores de todos os tempos. Porém, o que fica ao público é a imagem de Gardel com o sorriso galanteador, cabelos engomados, o terno aprumado e, óbvio, a voz inesquecível.