Vingança com Allen (publicado originalmente em 4/1/2011)
Como 2010 foi bastante ruim em termos de histórias contadas nas telas grandes, decidi ter no fim do ano uma terapia cinematográfica particular: assisti a cinco longas de Woody Allen, claro. É o mestre em desmontar paranoias e confeccionar outras tantas. 'Tudo o que Você Sempre Quis Saber Sobre Sexo, Mas Tinhas Medo de Perguntar' (1972), 'O Dorminhoco' (73), 'A Última Noite de Boris Grushenko' (75), 'A Rosa Púrpura do Cairo' (85) e 'Crimes e Pecados' (89) foram os meus eleitos e os apreciei como a maior das delícias do ano que findava. Dá para se notar as diferenças entre os Allens.
Principalmente os dos filmes do começo da década de 1970, o diretor, ator e roteirista pende mais para o terceiro lado. Suas ideias são muito bem concatenadas nos scripts de 'Tudo o que Você...' e 'O Dorminhoco'. As frases afiadas tanto na fita com esquetes acerca da sexualidade humana quanto na do homem que hiberna durante 200 anos e não se conforma em despertar num mundo totalmente modificado (as mulheres são frígidas e os machos, impotentes, e eles resolvem tudo com máquinas) estão entre os pontos fortes das duas comédias. Já em 'A Última Noite...', filmado pouco depois, eu vi um Woody Allen menos verde e lembrando pouco o humorista das stand ups de Nova Iorque. Trata-se da 'biografia' do homem condenado por um crime não cometido por ele no século 18. A recriação do ambiente russo é talentosa e o cineasta dá luz um estilo que o consagraria dali à frente: aquela do apaixonado não correspondido, bem kafkaniano, onde tudo é sofrimento até que se prove o contrário.
Considero o período 1975–1990 o melhor das produções dele. Daí saíram contos memoráveis como 'Noivo Neurótico, Noiva Nervosa' (1977), 'Manhattan' (1979) e 'Hannah e Suas Irmãs' (1986), este sem a presença de Allen como ator. Em 'A Rosa Púrpura...', também com o artista ausente diante das câmeras, o temos completamente maduro. Estilo, direção, conteúdo, magia e boa coordenação de atores – tudo isto está nesta produção. Aliás, o próprio cineasta admitiu em muitas entrevistas achar este o seu melhor trabalho na sétima arte. Discordo, porém entendo a sua análise. Com Mia Farrow no melhor tom desde 'O Bebê de Rosemary' (1968), 'A Rosa Púrpura...' é encanto do início ao fim. O amor à telona da moça carente, pobre, de repente envolvida pelo astro preferido saído do filme direto aos seus braços, é deslumbrante e emocionante. Um Woody Allen grato ao cinema: isto notei aqui.
'Crimes e Pecados' vai nesta toada. Aqui o ator é coadjuvante. Ele interpreta um cineasta (!) fracassado prestes a aceitar dirigir um documentário para a TV por dinheiro, pois está falido. Esta fita é uma porção de dilemas juntos. Lembra muito 'Match Point: Ponto Final' (2005), o trabalho de Allen marcado por 'retomar' a carreira dele, depois de anos de insucessos. Fala de amante teimosa, a vida arruinada e objetivos atingidos sem esforços. É a perspicácia à flor da pele e W.Allen arrasa de novo.
Assim, consegui me vingar de 2010 com luvas de pelica. Vamos ver se 2011 isto melhora.
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