O Labirinto do Fauno: Realismo fantástico na guerra de memórias pós- ditadura franquista.
O Labirinto do Fauno: Realismo fantástico na guerra de memórias pós- ditadura franquista.
Resumo
O trabalho faz uma análise do filme “ O Labirinto do Fauno”, através de um debate entre Cinema e História, como parte da estética do realismo fantástico em sua versão espanhola. Sua relação com a guerra de memórias no interior da Espanha sobre a guerra civil e ditadura de Franco , bem como sua participação na cinematografia da vingança, filmes que fazem parte de uma vingança simbólica contra os opressores de regimes autoritários e vitória dos vencidos.
Palavras chave: Cinema e História, O Labirinto do Fauno; Ditadura franquista; Memória
Após os inúmeros regimes antidemocráticos do século XX, o Homem pós- moderno vive a angústia de sentir sua luta como vã, de perceber que todos os males foram perdoados. Uma sensação de derrota da utopia pela força e depois pelo sentimento de impotência ao ver os algozes a solta, ao perceber que tudo é permitido para os poderosos, que ninguém veio em sua ajuda e que eles, os opressores, não foram punidos.
Esta crise faz parte da história de todos os países que passaram por regimes ditatoriais, fascistas, e colonialistas. Alguns utilizam esta memória para se vitimizar, buscando privilégios e reconhecimentos internacionais de seu sofrimento. Usando isto para estabelecer uma dívida eterna da sociedade com eles. Outros lutam desesperadamente pela memória, pois há uma tendência nas sociedades de tentar apagá-la. A luta pelo acerto de contas, da punição não necessariamente precisa se dar a partir da vitimização, esta pode acontecer a partir da compreensão da realidade histórica, com a liberação dos arquivos, da punição dos culpados a partir dos direitos humanos, e da reafirmação dos grupos subjugados como cidadãos.
A vitimização por outro lado gera, ou justifica, a subjugação de outros povos como o caso do Estado de Israel; ou a reafirmação de um imaginário de passividade e incapacidade de resistir como o caso dos países africanos sujeitos a colonização (reforçando o imaginário da inferioridade). No caso dos militantes latinos- americanos mortos nas ditaduras, cria-se uma memória da luta pela democracia, tirando-lhes sua condição de militantes revolucionários, como era o caso de muitos deles, gerando esta memória de vítimas indefesas e não de lutadores.
A disputa de memórias entre opressores e oprimidos é uma constante na História da humanidade, hoje ela se dá pelos diversos meios de comunicação. Existe uma política das classes hegemônicas controladoras desses meios de comunicação, em passar uma borracha nos acontecimentos antidemocráticos ou representá-los de forma despolitizada, como situações já superadas. Por vezes, distorcem sobre os protagonistas da resistência a ditadura, ao colocar-se como instrumento de lutas contra as ditaduras, ao mesmo tempo negando toda a relação de conivência e culpa da burguesia e seus meios de comunicação nestes regimes.
Obviamente não há meios de comunicação totalitários e o filme pode ser uma contra-análise da sociedade, paradoxalmente, tanto como explicitador do STATUS QUO, como contestador da ordem. A partir desta perspectiva analisarei o Filme O labirinto do Fauno. Este se estabelece dentro desta lógica de disputas de memórias, a partir de sua quase ilimitada fronteira narrativa, por ser ficção, refuta a realidade, se torna um canal da justiça que não foi feita, uma possibilidade ficcional de vingar os que não foram vingados, como resposta á frustração dos republicanos em relação a um regime que nunca foi rompido.
Além da vingança cinematográfica encontrada também em outros filmes atuais como Bastardos inglórios, este filme também usa o imaginário da Guerra Civil para dialogar com uma realidade social que ainda não foi alterada. A batalha da memória não é vã. Está, pelo contrario, relacionada com uma realidade objetiva, no caso da Espanha um país que ainda possui uma luta republicana e que teve sua transição para a “democracia” feita pelo ditador Franco.
A estrutura narrativa do filme lembra o realismo fantástico Latino- americano. Que tem a década de 1960-70 como sua época auge. Uma literatura que se contrapõe as ditaduras, ao subdesenvolvimento, ao imperialismo e reforçam uma identidade e estética européia. E tem por objetivo retratar estes temas através das emoções e os sentidos, não pela racionalidade pura. E inclusive este fantástico na maioria das obras de realismo fantástico não é comprovada como sendo uma realidade paralela de fato ou como imaginação, pois não são experiências vividas por todos os personagens. O espectador não sabe dizer se é realismo puro, ou fantástico com uma temática realistas.
A estrutura narrativa do filme se enquadra nestas características, sendo que não mais Latino americano. Seria, então, o realismo fantástico do outro lado do atlântico. Uma característica do realismo fantástico é a busca pela valorização da cultura ocidental, neste caso o autor buscou na mitologia celta esta aproximação da cultura popular
O filme conta a história de uma menina que se mudou com a mãe grávida pra viver com seu novo padrasto, um capitão falangista, em meio à guerra civil espanhola. Sua mãe passa mal na viagem e corre o risco de perder o filho. A menina descobre que é na verdade uma princesa de uma realidade paralela passa a realizar inúmeras provas para ser libertada do mundo em que vivia: a morte de seu pai, um padrasto que não gostava dela, sua mãe morrendo e submissa às ordens do capitão e a guerra.
O filme é repleto de sutilezas, as mensagens são passadas em grande parte por gestos e enquadramentos ao invés de diálogos. Logo no inicio do filme a menina oferece a mão esquerda falangista, é o primeiro contato entre eles.
O capitão é sempre central nos enquadramentos, gerando uma imagem repressiva e poderosa. Tanto sobre o arbítrio na vida de todo o povoado, como sobre a sua casa. Apesar de ser poder há alguém que está totalmente submetido a ele, sua mulher. Sua decisão arbitraria em relação a ela são responsáveis por sua doença e morte. Ela é portadora do futuro da nação Franquista,seu filho que pertence ao pai,ao exército,à nação falangista. Por isso não importa que sua mãe morra no parto, desde que salve a criança que é indiscutivelmente um menino, mesmo sem tecnologia para dizer isto.
A submissão da mãe de Ofélia é mais do que uma submissão feminina ao marido opressor, aparece também como uma submissão de classe, de posição na sociedade, de civil para militar, e uma terceira relacionada com o tipo de dívida que ela possui com o capitão, que é como se todos os dias ele desse a ela, Ofélia, a permissão para viver.
Os enquadramentos sobre Ofélia são contrários, ela nunca está de frente para a câmera, sempre em outro plano, sempre de baixo pra cima, parece estar ausente da realidade, porém percebe tudo a sua volta, muito melhor que os outros, por exemplo, que a empregada de confiança ajudava os rebeldes. Ofélia é subversiva à ordem falangista do capitão, ela não se enquadra, não por ser desafiadora por si, mas por praticar resistências e desacordos, não faz parte dela o tempo do relógio e a rotina rigorosa. Por o caráter real e utópico do socialismo e morta por um fascista de deve ser julgado.
A única aliada de Ofélia fora do mundo mágico (utópico) é a guerrilheira disfarçada de empregada que a trata como se fosse filha. Quando descoberta foi levada para a sala de tortura com o capitão e com a faca de sua própria cozinha rasgou a face do capitão e conseguir fugir. De todos que passaram foi a única capaz de fugir e o fato dela ser empregada da casa utilizando-se do próprio instrumento de trabalho é ainda mais rico, pois implica mais que a luta pela liberdade, a luta pelo socialismo, a própria dos debates do momento. Além de representar a força feminina na Guerra civil.
O filme é marcado por cenas fortes, violentas, causando angústia e mal-estar. Apela também para o suspense e o medo, desenvolvendo-se as narrativas através destes recursos. Alternado-se os mundos. O filme se desenvolve pautado em duas sensações: a tensão de esperar qual será o próximo ato violento do capitão e a ansiedade de saber se Ofélia conseguirá superar as provas.
No final do filme dois mundos se juntam, quando Ofélia foge com seu irmão de casa, no momento anterior ao que os insurretos tomam a casa do capitão. O capitão segue Ofélia e a mata. Neste momento ela volta ao seu reino encantado. Os revolucionários o pegam e ele pede que contem para seu filho quem era seu pai. A resposta: ’’Ele nem sequer saberá seu nome’’.
Quando o filho da nação falangista fica sem pai, rompe-se qualquer tipo de cessão ao opressor. O fascista não é digno de consideração, nem de pena, sua morte é injustificável, bem como a luta armada. Neste ponto o filme funciona como uma vingança simbólica contra a frustração de 1936, 1939, 1945 e a transição tranqüila em 1975, dos republicanos que até hoje se mantém em um Estado que passou por uma transição franquista e na qual, não se fez a justiça contra os algozes, nem da guerra civil, nem da ditadura. O filme também faz parte da guerra de memórias, própria de países que viveram regimes autoritários. Partir daí se revertem os papeis e os vencidos vencem, ao menos no filme. O menino tinha o seu destino ser o futuro da nação falangista passa a ser criado pelos revolucionários, uma mensagem de esperança contra a frustração causada pela morte de Ofélia no filme e do governo da Frente Popular na realidade.