Como esquecer
O filme é interessante. "Como esquecer" traduz de vez toda criação de universo em torno do amor entre homossexuais. Numa pré-estréia concorrida e de platéia bem homogênea, deu pra traçar uma linha de debates sobre a conclusão que cada um inventariou sobre esta vertente de relacionamentos.
Sem narrar o filme todo, mas dar a ele a minha impressão exata.
Ana Paula Arosio faz uma professora universitária, Julia, homossexual que se vê no olho do furacão ao ter o relacionamento de dez anos interrompido pela companheira. O drama gira em torno dela, Julia, e toda a sua quase loucura por não conseguir "digerir" este ponto final.
Tudo é humana e minuciosamente ilustrado neste contexto. Ela se depara com a realidade assumidamente da outra, que são as contas, o dia-a-dia, enfim, a parte totalmente prática de um casamento. Começa o bombardeio de responsabilidades e Julia se entrega à depressão. É salva por amigos maravilhosos que, cheio de defeitos e problemas bastante comuns, ainda assim diversificam o próprio universo e espantam seus fantasmas ajudando-se uns aos outros. Menos Julia que se entrega ao torpor e ultraje do normal em tentativas de não sofrer. Em vão. É preciso encarar, bater de frente mesmo e somente assim, a ferro e fogo, será possível ver a vida fluir e deixar que a outra saia de vez de seu mundo.
E é desta mesma forma que amamos enquanto héteros. Porque não é o corpo quem define o que sentimos; não é a maneira com a qual nos damos que rege a vontade; não se leva em conta o gênero. É a pessoa, a escolha, o alvo. Coração não tem gênero. Amor é amor para qualquer homem ou mulher. Apego também. E Júlia regateia tudo isso com o amigo que lhe confere carinho e atenção neste capítulo que se segue na vida dos dois.
Eu mesma tinha uma visão tão comum a tanta gente quando se imagina que o amor entre homossexuais é sentido de maneira diferente dos demais. E não é. Nem mesmo o momento em que se inicia a volta a si mesmo, o resgate do DNA, poderia ser diferente. É o exato instante em que percebemos la na frente que já está difícil lembrar-nos do semblante da pessoa que se foi de nós. É aí que percebemos a volta por cima. Doloroso retorno, mas absolutamente necessário. É o momento em que nos abrimos de volta ao real, a quem nos chama à tona, o "back up" de nós mesmos. Para mim, a melhor parte.
Impossível não nos identificarmos com um pouco de cada personagem, cada emoção e todo sentimento. O tema, totalmente difuso no filme, cabe com perfeição a todo relacionamento. "Como esquecer" não nos dá a fórmula, porém nos faz calcular cada perímetro do sofrimento descabido em que nos deixamos ficar a cada fim, cada abandono, cada desmembramento. Sim, porque no fundo nos tornamos um em dois e separar o que já havia sido confundido, arrematado e assimilado torna-se tarefa de muita dor. Deixa-nos a lição de quanto se tornam ainda mais valiosos os amigos que pleiteiam a nossa felicidade e nos dão o colo, o abrigo. E além, comoveu por entender que as diferenças sexuais não delimitam o sentimento ou os faz menos importantes.
Murilo Rosa no personagem gay amigo de Julia está encantador e divertido e Natália Laje como a amiga hétero que é abandonada pelo companheiro quando mais precisa dele. E quando questionada pela amiga professora sobre achar certo voltar para ele depois disso, dá uma resposta que eu não daria: "Se a Antonia aparecesse aqui e lhe pedisse pra voltar, você não voltaria? Estou voltando, ele merece uma segunda chance".
E eu mereci ter sido convidada ao Festival Rio de filmes.
Beijos.
Anjo de Cristal.