Cinema Paradiso: O soldado e a princesa
Já revi algumas vezes o clássico filme Cinema Paradiso (de 1988, gênero drama, escrito e dirigido por Giuseppe Tornatore e trilha sonora de Ennio Morricone), retumbante emblema do cinema italiano. Fico sempre cativando pelo carisma desse filme, as linguagens pictóricas, a narrativa cinematográfica (diegese), o encademamento das cenas de humor (típico dos italianos...), a perspectiva pueril e espivetada sobre a sétima arte por parte do menino Totó, e a cosmovisão do Cult Sr. Totó, cineastra conceituado na vida adulta. Mas tem um trecho do filme, um tanto enigmático e, ao mesmo tempo, revelador sobre o ápice do drama amoroso-existencial de Totó, a desilusão de um amor desigual na adolescência, ou a dialética amor-desamor que se instaurou e mudou sua vida inexoravelmente... jamais o homem adulto conseguiu vivenciar o Amor novamente.
O saudoso Alfredo (só quem conhece o filme compreenderá), sábio nas repetições de célebres falas de filmes clássicos, teve um lampejo de aguda sabedoria, com singeleza, generosidade e uma certa dramaticidade, narrando o que se segue:
Alfredo: "Um dia...
Um rei deu uma festa. Convidou as princesas mais belas do reino.
Um soldado da guarda, viu passar a filha do rei. Era a mais bela de todas.
Ele se apaixonou, mas...
O que faria um pobre soldado diante da filha do rei?
Finalmente, um dia, conseguiu encontra-lá, e disse-lhe que não podia mais viver sem ela.
Ela ficou tão impressionada por esse forte sentimento, que respondeu ao soldado: `Se souber esperar 100 dias e 100 noites sob o meu balcão, então eu serei tua.´
Cacete!
O soldado foi lá e esperou...
Um dia, dois... dez, vinte dias.
Toda noite ela controlava pela janela.
Ele não saia dali!
Com chuva, vento ou neve, ele continuava ali.
Os passarinhos cagavam nele, as abelhas o comiam vivo... mas ele não se mexia.
Depois de noventa noites ele estava todo ressecado e branco.
Lágrimas escorriam-lhe dos olhos e não podia segurá-las, pois, não tinha mais forças nem para dormir e a princesa continuava a olhar para ele.
Quando chegou a 99ª noite, o soldado se levantou, pegou a cadeira e foi embora!"
Totó: - Como assim? No final?
Alfredo: - Sim. Bem no finalzinho Totó. Não me pergunte o significado, eu não sei!
Alfredo: - Se entendeu, explique-me você!"
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Pondero, mulher que impõe tão dura prova ou expõe o homem que lhe ama a tal provação, não tem a sensibilidade necessária para dignar-se a acolhê-lo, é até injusto que brote um relacionamento nessas circunstâncias. Isso deve ter motivado o soldado à desistência, por ter ele esperado que sua amada o poupasse de tão descabida prova. Demonstrações de sentimento têm uma natureza diversa da imposição insensível de sofrimentos ou desprezos, antagônicos ao vínculo sublimado pela justa consideração.
Cinema Paradiso é provido de um espectro filosofante de conceitos, cuja trama cinematogrática é também metalinguística, ou seja, a sétima arte, discorre sobre ela própria nesse tocante clássico. Para os amantes dos grandes filmes, é uma recomendação prioritária de apreciação.
Carlos Augusto de Matos Bernardo