'Nosso Lar', o novo filão? (publicado originalmente em 7/9/2010)
Quase não pude ver 'Nosso Lar' (2010). Na primeira vez em que fui, um senhor de cerca de 65 anos foi acometido por mal súbito. No filme baseado em obra psicografada por Chico Xavier, sobre o mundo dos mortos, um espectador passa sufoco... A sala ficou em polvorosa. Havia um grande grupo de espíritas sentado na fileira abaixo da minha (aproximadamente 25 pessoas) e o burburinho iniciou. Passou alguém e disse: 'O mal dele não é físico...' Após o escândalo ditado pela esposa do enfermo, que gritava, ele deve ter tido uma queda de pressão, ou aumento desta.
Sensitivos ou não, a fita teve de ser interrompida e dali segui para casa. Dois dias depois, sem quaisquer sustos extraordinários, eu pude assistir à obra até o final.
Ao contrário de minha impressão primeira, o esperado queixo no chão não veio com o longa mais caro da história do cinema brasileiro: R$ 20 milhões. É sugestão a pergunta: desperdiçou-se dinheiro para isto? Antes de analisar, entretanto, esclareço aqui que não tenho preconceitos contra todas as religiões.
A película mostra a trajetória penosa de morte de André Luiz, médico que morre na década de 30, em decorrência duma doença mal curada, desde a passagem pelo umbral (purgatório), onde ele tem sede, fome e frio, até ser aceito no 'Nosso Lar', uma das muitas cidades espirituais a 50 quilômetros da Terra. O conformismo e a luta de André no período são permeados por explicações didáticas, no estilo tati-bi-tati, por auxiliares como o aprendiz Lísias (Fernando Alves Pinto) e o guru Emanuel (Werner Schünemann).
Sobre o cinema, o diretor Wagner de Assis parece ter se fixado em produzir histórias para crianças. Foi ele quem comandou, por exemplo, 'Xuxa e os Duendes 1 e 2' (2001 e 2002), 'Xuxa Popstar' (2000) e 'Xuxa Requebra' (99). Assis se esforça ao máximo para explicar tim tim por tim tim ao não-espírita como é a linguagem além-túmulo. Ele consegue, mas o ponto é pouco a ser o único positivo aos R$ 20 milhões.
Renato Prieto interpreta André. Com trabalhos voltados para o teatro, a população o conhece pouco. Em 2001 e 2002, o ator encarnou (que trocadilho infame) o médico nos palcos e por isto Assis o chamou. Teve de emagrecer 18 quilos. E (coincidência?) está em cartaz com a peça 'A Morte é uma Piada'. Bom ator, alternou bons e ruins momentos. Há as cenas tocantes, mas outras em que parecia estar robotizado.
Não sei se foi orientação do diretor ou se tudo estava no livro 'Nosso Lar', publicado na década de 40, mas os atores parecem estar em sala de aula explicando a crianças de cinco anos, como queria aquele personagem de Denzel Washington, o advogado, em 'Filadélfia' (93). O público, espírita ou não, não quer isto. E 'Nosso Lar', o longa, explica demais. Ao invés de se dedicar mais às emoções – poucas na telona – ele se debruça em pegar giz e rabiscar no quadro negro. Mas como esta característica vem implícita, creio que a produção lucrará demais com bilheteria. Foi assim com 'Bezerra de Menezes' (2008), a primeira fita a explorar a veia kardecista na sétima arte. E 'Chico Xavier', lançado alguns meses antes, veio na toada. É um novo filão a ser explorado. Devem vir mais histórias deste tipo no cinema nacional. Vamos aguardar.