A raposa e a raposa (publicado originalmente em 13/7/2010)
Diz-se que as raposas são os animais mais espertos e traiçoeiros do reino dos bichos. Talvez. Nunca me deparei com uma delas. Quiçá as galinhas podem explicar sobre as suas principais predadoras. Muita gente pensa ser raposa o desenho do Coiote, o qual persegue infinitamente o Papa-Léguas. Não. Coiote é coiote.
Vi recentemente 'O Fantástico Senhor Raposo' (2009), a fita concorrente na categoria animação na festa do Oscar de 2010. Perfeito. Além de ter várias tiradas inteligentes, os riscos são ricos e com certeza o filme será um marco por sua qualidade. Dei toda esta volta acerca das raposas pois creio ser a calhar a introdução a 'Frost / Nixon' (2008). Baseado na claudicante entrevista do ex-presidente estadunidense nos anos 60 e 70 Richard Nixon ao apresentador de TV de programas de variedades David Frost, o longa veio aos poucos e aos poucos conquistou seu espaço. Muita gente acredita ser difícil transportar a história para o universo brasileiro, pelo tema ser tão colado aos EUA. Bobagem. Basta ler o mínimo que seja sobre o assunto e aproveitar os 122 minutos com duas das mais incríveis interpretações do cinema nesta década.
A trama é dirigida por Ron Howard, o mesmo do multipremiado 'Uma Mente Brilhante' (2001), e é a adaptação da peça teatral homônima, escrita por Peter Morgan. Nela, duelam os dois personagens, cujos atores foram levados também à telona: Michael Sheen (Frost) e Frank Langella (Nixon). Derrubado pelo caso Waltergate, o presidente Nixon se recolhe em sua casa. Nunca mais quer o poder. Será? A chance é dada por Frost, um playboy arrogante que só deseja a fama, acima de tudo. A negociação à entrevista é a tensão em forma de dinheiro. Milhões de dólares exigidos pelo político, o que fazem o apresentador cair nas dívidas. Finalmente chega o dia. Três anos depois do impeachment. Richard Nixon pretende aniquilar o interlocutor. David Frost aspira pontos na audiência e fama por meio do colo do ex-presidente. Raposas.
'Frost / Nixon' é delicadamente um filme de diretor. É por Ron Howard o brilho da trama. M. Sheen e F. Langella dominam as cenas porque provocam-se o tempo todo. Até fora dos sets isto ocorria. Para o personagem, Sheen, o Tony Blair de 'A Rainha' (2006), incorporou-se do espírito dos anos 70: o figurino de Daniel Orlandi é singelo e categórico. Porém, com Langella, excelente ator, a mudança foi brusca: voz, o olhar, o andar, o semblante – tudo – ele transformou-se em Nixon. Em entrevista que está nos extras do DVD, alguém fala sobre o curioso pedido do ator: ser tratado como 'presidente', 'senhor' ou 'mr. Nixon'. É a humildade em forma de profissionalismo. Langella quis ser o personagem. Conseguiu. Raposa também, no sentido de extrema qualidade. As suas sequências são de babar. Digo que a fita é 65% ele, 35% Sheen.
Raposas e história. Eis a questão. Um pega o outro. Eu amo filmes de jornalistas e poder ver a 'Frost / Nixon' representa prazer como 'Boa Noite e Boa Sorte' (2005) e 'A Montanha dos Sete Abutres' (1951).