Estes italianos, sempre (publicado originalmente em 1/6/2010)

A Itália começou a se sobressair no cenário cinematográfico mundial justo na época em que todo o mundo estava desgastado com as destruições da Segunda Guerra Mundial, em meados de 1945, quando o confronto bélico se encerrou. Iniciava-se a era do neorrealismo. Nela, vários diretores contavam em seus trabalhos com atores amadores. Tinham, como dizia Nelson Rodrigues, a palavra suada, captada na hora. E disto o planeta necessitava: se ver nas telonas. Desta forma, Vittorio DeSica, Federico Fellini, Vittorio Gassmann, entre outros, catavam, literalmente, gente nas ruas para montar as obras. Esta forma de fazer o cinema fixou-se de tal forma nas veias dos italianos que até hoje se pratica o neorrealismo, no século 21.

'Eu Não Tenho Medo' (2003) vem neste ritmo. A história é surpreendente do meio para o seu final e prende o público em 100% do tempo. Tudo acontece numa vila simples do país da bota em 1978, em um dos verões europeus mais quentes de todos os tempos (o longa é baseado em fatos reais). Rodeado pelas plantações de trigo, a casa de Michele (Giuseppe Cristiano) é cheia de adultos que conversam e tramam não se sabe o quê. Enquanto isto, Michele e outros cinco amigos se divertem. Mas um dia, o menino acha um esconderijo. O que terá nele? Um monstro? Um marciano? Um assassino de crianças? Ou meramente alguém que está sofrendo muito? O medo impede o garoto de ver. Porém, óbvio, ele voltará ali em breve.

As lições que 'Eu Não Tenho Medo' nos dá são as de superar traumas, descobrir a coragem que está dentro de você e sempre desconfiar de todo mundo. O diretor Gabrielle Salvatores trabalhou na maioria com atores quase puros, na acepção da palavra, profissionalmente. E esta 'virgindade' dos envolvidos na película deixa a fita mais apetitosa de se assistir. Salvatores, propositalmente ou não, homenageou os seus colegas dos anos 40, 50, 60. A obra poderia perfeitamente ser levada a 53, por exemplo, com a atriz Silvia Mangano, Carlo Pisacane e V.Gassmann como protagonistas. Aliás, me veio agora a comparação com 'Os Eternos Desconhecidos' (58), que mistura mocinhos e bandidos na bacia. É roteiro semelhante, mas sério.

Cheio de qualidades, o filme mal aterrizou no Brasil. Era de se supor. Italiano, de vertente bastante independente, 'Eu Não Tenho Medo' é o típico longa que 'não chama público'. Qual a razão? A resposta é fácil: o povo só quer saber de scripts açucarados, de riso mole e de entendimento mais raso ainda. E isto 'chama público'. É uma vergonha, não? Caso você deseje encontrar, terá de escarafunchar até os limites da locadora. Mesmo assim o suor virá. Todavia, a recompensa é boa, pois a película vale cada minuto visto.

Comentar a fita é difícil. Se dou uma pistazinha sequer, cai por terra todo mistério delicioso. Notem o esforço das crianças diante das câmeras, principalmente o intérprete de Fillipo, Mattia DiPierro. Além de ser lindo, convence e esbanja experiência que nem tem. Palmas ao conjunto de 'Eu Não Tenho Medo'.

Rodrigo Romero
Enviado por Rodrigo Romero em 01/06/2010
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