Quincas, um clássico (publicado originalmente em 25/5/2010)
Quando estava na sétima série, ou oitava, sei lá, aquele monte de livros que os professores faziam questão de nos empurrar era enorme. Um deles, 'A Morte e a morte de Quincas Berro D'Água' contava a história de um ex-funcionário público que virou bêbado porque estava desgostoso com a vida que levava ao lado da esposa e da filha. Ingeriu tanto álcool que bateu as doze badaladas no dia do seu aniversário de 72 anos.
Mas os seus companheiros resolvem surrupiar o corpo do velório para uma derradeira e líquida despedida. A família, atônita, quer recuperar o corpo perdido e enterrar o 'comendador', título dado pela herdeira de Quincas com a finalidade de esconder o cotidiano etílico do papai. Agora o que se deve fazer?
Um filme, claro. Jorge Amado lançou esta novela em 1959. Sérgio Machado adaptou as páginas do livro e nesta semana chegou aos cinemas 'Quincas Berro D'Água' (2010). Com Paulo José no papel-título, a fita é uma transferência simpática e parcimoniosa da obra literária.
Não chega a empolgar, mas revela-se uma emocionante homenagem aos bons vivants de outrora, como Jorge Amado foi. Assim, você vê o longa-metragem como se estivesse na biblioteca do colégio: silenciosamente e com alguns saltimbancos de risos. Completam o elenco Marieta Severo como Manoela, a amante e dona do bordel onde Quincas é o titular do ritmo. Ou era.
Neste momento, o que importa é a recuperação do cadáver. E é muito divertido. Flávio Bauraqui, Irandhir Santos, Luís Miranda e Frank Menezes formam o quarteto de amigos de farra de Quincas. Quatro atores muito bem escolhidos aliás. Mariana Ximenes e Vladimir Brichta fazem o casal atrás de Quincas. S. Machado soube aproveitar o que tinha nas mãos, principalmente do quarteto de alcoólatras. Trata-se de trupe de atores experientes em filmes experimentais e em peças de teatro. É assim que se deve fazer. O filme é de razoável para bom e possui profissionais de alto gabarito a tanto.
E ainda conta com participações especiais de Milton Gonçalves e Othon Bastos, além de Walderez de Barros, que está impagável na pele da tia de Vanda (Mariana Ximenes), Marisa. É a Bahia na apoteose das telonas.
Jorge Amado era perito em criticar a bagunçada sociedade brasileira. Para ele, assim como o colega Machado de Assis, existiam os dois Brasis: o oficial, onde tudo era por baixo dos panos, transformado em belas aparências e falsidades, e o real, do povo, sem meias palavras e com tudo às claras. Era esse mundo, o segundo, que o escritor baiano exibiu a mais de 40 países que traduziram as suas histórias. Quem, em sã consciência, não conhece Gabriela, Tieta do Agreste e Quincas Berro D'Água? Assim como Sônia Braga imortalizou Gabriela (na novela de TV) e Tieta (no cinema), Paulo José a partir desta semana está seguro como Quincas. Falecido, viveu as cenas. Dominou o filme com poucas palavras. Foi um morto bem vivo.