Um certo 'carteiro' (publicado originalmente em 8/4/2010)
Desde o mês passado uma avalanche de informações, representada por homenagens, os programas especiais, entrevistas, tem sido exposta para comemorar o centenário do médium brasileiro Chico Xavier, tido como o maior divulgador do espiritismo no país. No longa, que estreou dia 2, data do seu centésimo aniversário, podemos acompanhar a trajetória deste mineiro de Pedro Leopoldo dividida em três partes: a infância sofrida, a juventude já acostumada aos espíritos, e a fase adulta, com ele consagrado no Brasil e fora dele. Mas o filme errou em três aspectos. Um: o diretor Daniel Filho quis dar à trama ares de novela. Em certos instantes temos a sensação de que a história terminará e teremos a seguir ‘trechos do próximo capítulo’. Dois: qual a razão de outra vez escalar o Tony Ramos? Foi assim nos dois ‘Se Eu Fosse Você’ (2006, 09), ‘A Partilha’ (01) e ‘Tempos de Paz’ (09). Aqui, o ator, que é fabuloso, mas está desgastando sua imagem sem precisar, interpreta Orlando, diretor do programa ‘Pinga Fogo’, da TV Tupi, no qual Chico foi sabatinado nos anos 60. O longa começa com a TV. É a partir dela que se conta a biografia dele.
E três: o roteiro de Marcos Bernstein ficou ilusório, com a tragédia da perda do filho de Orlando e Glória (Christiane Torloni), Tomás. Você acertou: é por meio das psicografias que se tentará provar que a morte foi acidental. Comum demais. Tem cenas desnecessárias que não fazem jus à vida do médium. A simplicidade de Chico, por exemplo, foi pouco explorada. Mas há um ponto forte: Nelson Xavier, o ator que encarnou (sem trocadilhos) o líder espírita (o sobrenome não tem parentesco). Maravilhosa a escolha deste ator. Acertaram na mosca. Nelson é Chico. A caracterização arrebata qualquer dúvida, assim como a sua atuação serena, sem caricaturar o homenageado. O ator estudou bastante o mineiro e se deu bem em frente às câmeras. Fascina o seu encontro com Orlando, quando diz: ‘Sou apenas um carteiro... Recebo as cartas e as entrego.’ E outros pontos acertados foram a direção de arte sóbria de Cláudio Amaral Peixoto, a música suave, delicada de Egberto Gismonti e a escalação do ator mirim Matheus Costa, que dá vida ao menino Francisco Cândido Xavier dos oito aos doze anos de idade. É um profissional que promete por aí.
Daniel Filho, que também produziu, gastou dinheiro. Exagerou em número de atores e locações. Ao todo, foram 135 atores e 90 locações. As cenas derradeiras foram gravadas em Uberaba, cidade na qual o médium viveu boa parte da vida, é reverenciado até hoje, com estátua, casas com seu nome etc. O que me incomoda no drama é a vontade sine qua non de Filho, mesmo depois de tantos sucessos sucessivos nesta sétima arte, de imprimir na película a força tamanha para ser aceito pelo público. É uma ideia, na minha visão, completamente tola. Tanto ele não necessita disto, e nem o cinema brasileiro. Se houve excesso de carência, este é pago com a vida rica de Chico. A fita comprometeu pouco, mas relaxou aonde não devia.