Quem quer a verdade? (publicado originalmente em 1/4/2010)
O cinema – o bom cinema – vive de saltos e hiatos. Coincidentemente ou não, estes espaços sempre aparecem quando os diretores de ponta (raramente ocorre com atores) interrompem os trabalhos, seja para descansar, seja para se reciclar. É o diretor quem manda na sétima arte e isto estamos cansados de saber... E com Martin Scorsese aconteceu essa situação. Desde 2006 esperava-se algo dele, pois o documentário acerca dos Rollins Stones, ‘Shine a Light’ (2008), digamos assim, não valeu. O público aguardava a sua próxima apresentação de porte. E ela veio. ‘Ilha do Medo’, rodado há dois anos e agora lançado, é a mais nova obra-prima. Mistura drama, suspense, terror, psicologia e a contundência scorsesiana, acima de tudo.
Passa-se em 1954. O detetive Teddy (Leonardo DiCaprio, em sua quarta parceria com M. Scorsese) chega um hospital para loucos que cometeram crime, o Shutter Ashecliffe, localizado numa ilha, onde só se pode chegar e sair de balsa. Ele precisa investigar o desaparecimento de Raquel Solando, internada por matar os três filhos. Escoltado pelo assistente Chuck (Mark Ruffalo), Teddy mergulha num labirinto onde a saída é um ponto de interrogação. Nas averiguações, o detetive tem de lidar com os traumas da Segunda Guerra que o perseguem em pesadelos e nas dores de cabeça horrendas que costuma ter. Ele atuou como soldado e matou inúmeros nazistas. A estada no hospital, por isto e outros contratempos, se prolonga. Aos poucos, não se sabe o que é realidade, sonho, imaginação e alucinação. Quem afinal deseja ter a verdade?
‘Ilha do Medo’ é cheio de referências. Scorsese homenageia Alfred Hitchcock (escadas em forma de espiral lembram ‘Um Corpo que Cai’ – 1958) e Stanley Kubrick (a solidão imposta a Teddy é uma ode a Jack Torrance, de ‘O Iluminado’ –1980), por exemplo. Há várias que você perceberá ao longo da fita. A trilha sonora é mais um ponto a favor. Assinada por Jennifer Dunnington, a mesma de ‘Os Infiltrados’ e ‘Capote’, permeia o filme com sabor delicioso. São exemplares os momentos em que a trilha adentra esta película. A edição peculiar da veterana Thelma Schoonmaker (também colega de longa data do diretor) e o roteiro de Laeta Kalogridis completam o tripé de segurança. Tudo fica fácil quando se sabe como fazer.
No todo, vemos a qualidade de DiCaprio. A cada filme, o ator deixa para trás a imagem de só uma carinha bonitinha no vídeo e o personagem Jack de ‘Titanic’ (1997) para dar luz ao profissional maduro e confiante que hoje podemos ver nas telas. As orientações de Scorsese fizeram bem por sinal. Além dele, o elenco é ótimo. Temos atores bons em bons momentos. O script contribui: Ben Kingsley e o octogenário Max Von Sydow têm interpretações lineares, como Michelle Williams, Emily Mortimer e Mark Ruffalo.