Preciosidade (publicado originalmente em 18/3/2010)
Existem filmes que ficam marcados na sua vida como se fossem uns tiros à queima-roupa, com uma força indelével e inquebrantável. É aquele tipo de obra que te deixa congelado e pensativo por dia, talvez semanas. Não havia sentido isto em 2010. Nem com ‘Avatar’... Mas senti vendo ‘Preciosa: Uma História de Superação’. Imagine uma garota adolescente. Ela é gorda, negra e analfabeta. Além disso, ou por isso, sofre os mais profundos preconceitos. E mais: foi estuprada pelo pai muitas vezes e está grávida dele pela segunda vez (o primeiro filho com ele nasceu com síndrome de Down).
Ainda vai além: de família pobre, a menina é supermaltratada pela mãe, uma mistura de demônio com hipopótamo, em versão dobrada. Não bastasse tudo isso, a garota é suspensa da escola por estar esperando o filho. Nem Jesus Cristo passou por tantas privações. Claireece Preciosa Jones, sim. E, por tanta calamidade e barbaridade, porque é Preciosa?
A fita se passa em 1987 no bairro do Harlem, Estados Unidos. Claireece (Gabourey Sidibe) tem 16 anos. Sem nenhum tipo de amor na vida, ela vive por viver. O filho Down, que ela chama de Mongo, está sob os cuidados da avó, esta um ser humano ‘normal’. Nenhuma perspectiva para a ela os dias guardam... A protagonista, respondendo à pergunta do outro parágrafo, é Preciosa porque ainda consegue ter sonhos.
‘Preciosa’, dirigido pelo ator e produtor Lee Daniels (de ‘Matadores de Aluguel’ –2005), é daqueles filmes que você se recordará sempre que te pedirem para listar os dez melhores longas dos anos 2000. Os papéis principais, Preciosa e Mary, mãe dela, caíram belamente a Gabourey S. e Mo’Nique, apresentadora de TV dos EUA. É monstruosa a interpretação de ambas, de tão boas que são. Mo’Nique é estupenda. Sua Mary é inacreditável, por sua maldade e insensibilidade. Mais de 400 garotas fizeram testes ao papel-título. Gabourey passou pelo filtro do cast apenas 40 dias antes do início das filmagens. Sua mãe, Alice Ridley, estava cotada para fazer Mary, mãe de Preciosa.
Ela teve de suar para encarnar Mary. Enfeiou-se. O espectador fica tentado a matá-la, pois a raiva que ela imprime contra Preciosa é de doer. Daniels tem importância significativa aqui. A boa mão de diretor conseguir extrair dela o inimaginável. E Gabourey? Merece palmas de pé. Deixou de lado todos os vícios de Hollywood e provou que o cinema não precisa só de rostos lindos. Necessita cada vez menos. Não à toa, as duas foram indicadas ao Oscar de coadjuvante e principal, respectivamente. Mo’Nique venceu. Gabourey merecia melhor sorte. A fita ainda conquistou de forma merecida a estatueta de roteiro adaptado. Enfim, deve-se ver, rever e comprar o dvd para guardar.