Pelas beiradas (publicado originalmente em 25/2/2010)
Numa tarde fria, o cabeleireiro Karol (Zbigniew Zamachowski) recebe uma intimação. Deve ir ao fórum. A sua esposa, Dominique (Julie Delpy, de ‘Antes do Pôr-do-Sol’ e ‘Antes do Amanhecer’) quer o divórcio. O motivo: o casamento não foi consumado e ela não ama mais seu marido. Humilhado diante do juiz, ele confirma o caso. E não há remédio...
A mulher o olha com desprezo, rebaixamento e ojeriza. E o pobre Karol nada pode fazer, senão ainda tentar o último fio de esperança de reconciliação. Em vão. Para degradar mais a situação, o recém-solteiro é polonês e, na França, não entende o que os outros lhe dizem. Sem um tostão no bolso, o jeito é ir à estação de metrô e se matar. Talvez. Num lance de casualidade, um conterrâneo o encontra. É o misterioso Mikolaj (Janusz Gajos).
Propõe-lhe uma tarefa. Ajuda-o a voltar à Polônia em troca de um favor: ele deve assassinar um homem que deseja cometer suicídio, mas não tem a coragem de tirar sua própria vida. E Karol também levará um bom dinheiro por isto. O que fazer, sabendo que ele, o ex-marido de Dominique, anseia demasiada e desesperadamente conseguir se vingar da amada?
O diretor Krzysztof Kieslowski foi muito feliz no argumento para realizar ‘A Igualdade é Branca’ (1994). É um roteiro aparentemente simples, mas recheado de bons momentos. A fita faz parte da trilogia das cores, cujo primeiro filme, ‘A Liberdade é Azul’ (1993), foi tema desta coluna há algumas semanas. Do trio de longas-metragens, ‘A Igualdade é Branca’ é o melhor, mesmo com as duas indicações ao Oscar de ‘A Fraternidade é Vermelha’ (94), o último da série. Nesta porção branca do triângulo de Kieslowski, notamos a capacidade de Karol de ter a chance de dar a volta por cima de uma maneira um tanto sublime.
Outro ponto importante é a fotografia de Edward Klosinski. Ele acompanha mais ou menos o que fizeram Piotr Sobocinski e Slawomir Idziak nos filmes vermelho e azul, respectivamente. A cor tema predomina nos cenários e é de uma beleza cintilante. Kieslowski, para complementar, dirige muito bem os atores. Os sentimentos em Karol são explícitos. Embora carregue consigo um amor devastador por Dominique, o ex-marido desenvolve dentro de si o angustiante teor de ‘retribuir’ para a ex-esposa tudo o que ela fez a ele. Ideias como rejeição, renascimento e medo são abordadas na trama. Pitadas de humor negro fazem parte do conjunto e Kieslowski não as coloca para debaixo do tapete.
É bom ver ‘A Igualdade é Branca’. A fragilidade do protagonista é o caminho para se compreender a película. Por meio dela se dá a brusca e total reviravolta de dignidade, hombridade e satisfação. O diretor sabe mexer estes pontos com o público. Ele joga e os espectadores respondem... Por este e outros aspectos (direção de atores, luzes nas cenas e os textos inigualáveis etc) ‘A Igualdade é Branca’, como apontei no parágrafo anterior, se destaca dentre as três obras. Mais um aspecto relevante retrata-se no detalhe indiscutível do longa. A personagem da atriz Juliette Binoche, Julie, de ‘A Liberdade é Azul’, surge em menos de dois segundos aqui.
Se você não for atento o suficiente, nada perceberá e a cena, que é intrincada, o laço que une as duas obras, será em vão. São minudências como estas que fazem do drama o atrativo europeu. Caso fitas do Velho Continente não são recorrentes a você, acostume-se. Somente filmes hollywoodianos enjoam. Tenha a absoluta certeza.
Como o belo prato que se come frio, assistir a ‘A Igualdade é Branca’ é se deliciar, se divertir com a história de vingança de Karol a Dominique. “Será que é tudo isto de fato o que eu realmente mereço?”