Unidos, separados (publicado originalmente em 11/2/2010)

Já alardeei muitas vezes neste espaço que gosto mesmo é de filmes com atores reais, sem os brilhos de um supercomputador por trás. E isso hoje em dia está ficando cada vez mais raro de ver. Mas eles existem... ‘Longe Dela’ (2006) é um destes que pinço para destacar. A diretora, a também atriz Sarah Polley, conseguiu unir a simplicidade e honestidade em uma trama sem qualquer tipo de surpresas e reviravoltas, mas que prende o espectador do começo ao fim. O comando do filme está com a talentosa Julie Christie e o não menos competente, porém menos conhecido, Gordon Pinsent.

Ela é Fiona Anderson, mulher bem resolvida, culta de pouco mais de 60 anos. Ele é o setentão Grant Anderson, marido de Fiona. Casados há quase 50 anos, ambos têm vida totalmente saudável e amável. A união deles, invejável. Contudo, um mal incontrolável e incurável se aproxima: a doença de Alzheimer. Ela começa a ter vácuos na memória e a preocupação se instala na casa. O nome dos objetos, o fogo aceso, o pronunciamento de uma reles sílaba... Tudo se torna desgastante e triste. O destino é inevitável: Fiona precisa internar-se na clínica que atende as pessoas acometidas da chaga.

Grant se acaba. Não imagina a sua vida sem poder ter contato com Fiona e pior: com o grande temor de ela esquecê-lo por culpa da doença. Relutantes a princípio, eles resolves seguir o protocolo e vão à casa de saúde. Para surpresa do senhor Anderson, a regra principal do hospital é a proibição de visitas de parentes, amigos, cônjuges nos primeiros trinta dias de repouso. É o que basta para que após este período, na volta dele à clínica, Fiona não o trate mais como marido, mas como o simples visitante que, muito caridoso, passou por ali para fazer companhia àquelas pessoas desmemoriadas.

É este o momento que levou a atriz Julie Christie a ser indicada ao Oscar. Com a feição toda transformada pela perda de memória, a doença avançada, Fiona ignora o companheiro de mais de quatro décadas. Aturdido e despreparado à comoção, ele se vê desamparado, amedrontado e acima de tudo sozinho pela primeira vez depois de tanto tempo. Não sabe como lidar com aquilo. Pinsent nos dá uma lição de interpretação, tal qual à de Julie. E este até então desconhecido ator canadense amolece-nos com sua introspecção, desejo de ‘querer e não poder’ e carente do carinho da esposa.

Sarah conseguiu a proeza, difícil atualmente, de ter nas mãos um elenco muito bom, apesar de mínimo, a trabalhar. Além de Julie e Gordon, há o casal Olímpia Dukakis e Michael Murphy como Marian e Aubrey: a esposa que pôs o marido na mesma casa de reabilitação. O encaixe é que Fiona está afeiçoada a Aubrey. Tem-no como novo amigo e protegido. Tudo isto pelo mal de Alzheimer. E Grant está deveras enciumado. À beira de entrar em colapso, decide aceitar o estado da amada. A situação se agrava quando Aubrey é tirado do hospital e Fiona, por conta disto, entra em depressão.

‘Longe Dela’, apesar dos méritos, conquistou apenas duas indicações ao Oscar: melhor atriz e roteiro adaptado. Favorita à estatueta, Julie Christie ficou com o prêmio do Globo de Ouro e viu seu troféu da Academia escapar para Marion Cotillard, a médium que incorporou Edith Piaf em ‘Piaf’.

Rodrigo Romero
Enviado por Rodrigo Romero em 11/02/2010
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