Com muita força (publicado originalmente em 28/1/2010)
A história de vida de determinados artistas beira a imperfeição. Ao público, são o suprassumo do que há de bom e de melhor. No íntimo deles, sempre falta algo. Veja o caso de Mickey Rourke. Nova-iorquino, começou tarde a interpretar. Seu primeiro longa-metragem se deu em 1979, quando ele contava 29 anos: ‘1941: Uma Guerra Muito Louca’. Trabalhou em obras de pouca ou nenhuma expressão até 1986, quando conquistou o planeta com ‘9 ½ Semanas de Amor’, ao lado da ardência de Kim Basinger. A fita ficou meses em cartaz – em alguns lugares a exibição nos cinemas passou de um ano. A carreira de Rourke, mesmo assim, não deslanchou e o ator seguiu o caminho nos seus filmes de qualidade média. Em 1990, com 40 anos, tido como um dos atores mais belos do mundo todo, surpreendentemente resolveu dar um tempo nas atuações. Entrou para o time dos boxeadores.
De 1991 a 1994 foi lutador profissional. Mas a nova empreitada não interrompeu a profissão de ator. As participações de M.Rourke ficaram mais espaçadas. Realizou poucos trabalhos em séries de TV e películas de baixo orçamento. O que fãs não imaginavam era que o ringue o transformaria em um pseudomonstro. O rosto de Rourke, aos poucos, por causa dos socos, foi se transfigurando. A antes límpida e bela face dele foi se acabando... Os admiradores, porém, ainda não notavam tanto esta mudança. Quando o ator surgia em reportagens ou programas de TV, o susto começava a ficar digestivo. Entretanto, foi com ‘Sin City’ (2005) que o mundo conheceu o Mickey Rourke do século 21. Gordo, desfigurado, cheio de plásticas no rosto e com olhar acabrunhado, o ator parecia que não se importava com o mundo. ‘Eu sou assim mesmo, fiquei desse jeito... E daí?’, parecia querer dizer.
O destino, então, resolveu jogar a favor dele. Com um projeto e ideia não tão novos, o diretor Darren Aronofsky convidou Nicolas Cage para protagonizar o filme sobre um lutador de vale-tudo que está em decadência. O ator recusou, alegando diferenças de pensamento com o diretor. Darren chamou Sylvester Stallone para o papel de Randy Robinson. O fortão também disse não: estava às voltas com o acabamento de ‘Rocky Balboa’ (2006) e o tempo estava escasso. Sendo desta maneira, o diretor pensou em Mickey Rourke, a terceira opção. Este aceitou na hora, mesmo sabendo que o orçamento era curto e ele, Rourke, acreditem, não receberia salário pela participação. Em 35 dias, as filmagens começaram e acabaram. Pronto, ‘O Lutador’ (2008) foi lançado sem qualquer pretensão ou expectativa. Pouco a pouco, o longa adquiriu força e Rourke voltou a ser muito bem comentado.
De cabelos loiros e compridos, o rosto ainda mais torturado, com as plásticas avolumadas, ele deu vida a Randy de uma forma bastante consciente de seus limites. Esforçado, bem orientado pelo diretor Aronofsky e linear, o ator se saiu excelentemente no personagem. Era a biografia dele após os 40 anos na telona. Marisa Tomei, como a prostituta apaixonada por Randy, e Evan Rachel Wood, na pele da filha dele, complementam satisfatoriamente a trama, que trata de superação: depois dum infarto, Randy, com mais de 50 anos, precisa parar de subir no ringue senão pode morrer ali mesmo.
É de se imaginar a força de Rourke ao se ver no filme. Foi a volta à ativa. Necessitava disso. Antes destroçado para a carreira cinematográfica, o ator até indicado ao Oscar foi. Merecidamente.