Entrevista de Ely Azeredo (publicada originalmente em 10/12/2009)

'A crítica virou uma dica de consumo', diz Ely Azeredo

Ely Azeredo, mais de 50 anos de crítica de cinema, me concedeu esta entevista via e-mail. Com textos publicados principalmente no jornal fluminense Jornal do Brasil, Azeredo é do tempo em que a crítica era desenvolvida em muito mais de uma página de jornal. E é este ponto o mais citado por ele aqui. Leiam:

De que maneira iniciou a carreira de crítico de cinema?

Como dezenas de críticos (e muitos cineastas) descobri o Cinema como arte lendo Antonio Moniz Vianna no "Correio da Manhã". Em 1946, aos 21 anos, estudante de medicina, ele conseguiu que o maior jornal do país lhe entregasse um espaço fixo diário. Além da extraordinária inteligência, possuía uma formidável carga de informação cinematográfica e cultural. Era parca sua bibliografia internacional (e em português nenhum livro fora publicado), de forma que ele foi a "internet" dos anos 40, 50. Criou a técnica de apreciação crítica que disseminou o hábito de ler esse tipo de coluna. Poucos jornais abrigavam pequenos comentários sobre filmes. Com o sucesso de Moniz, foram compelidos a "inventar" críticos.

Qual é sua opinião sobre a estrutura das fitas? O efeito especial virou protagonista das histórias?

Efeitos especiais são a conquista importante. Impressionantes pela tecnologia, causaram mutações no cinema industrial. Mas o peso na evolução do Cinema é secundário. Neste particular nenhum filme de Steven Spielberg se aproxima do silencioso "Metropolis", de Fritz Lang. A grande conquista na segunda metade do século 20 (antecipada por "Cidadão Kane"–1941) foi a grandeza romancesca. Não é raro achar filmes com densidade temática, narrativa do romance. "Morangos Silvestres" ou "O Passageiro: Profissão Repórter" são superiores à literatura de seu período. Os meios técnicos estão à disposição de um iniciante bem patrocinado. É raro encontrar filmes que inventam os "universos", formas originais de dar vida aos personagens, como "Luz Silenciosa" e "3 Macacos" (aliás produzidos com orçamentos modestíssimos).

Como lida com o ator e / ou diretor que vem reclamar de algo que você escreveu?

Quando tive grandes espaços para escrever procurei (no caso da produção nacional) levar reflexão crítica a diretores, roteiristas. Sempre escrevi para o leitor. Poucas vezes houve uma pressão de cineastas-produtores (nunca de atores), que em nada alteraram minhas posições. Nunca sofri censura nas redações.

Qual é a sua opinião acerca da crítica de cinema que é praticada nestes nossos dias?

Surgem coisas boas na internet e eventualmente em revistas como a gaúcha "Teorema". Mas (e não só no Brasil) as empresas jornalísticas preferem as resenhas de 'dicas de consumo'. A crítica tem poucos cultores. Você não encontrará este padrão nem em jornalões como "New York Times". Porém também não é fácil encontrar, no Brasil, crítica de literatura, artes plásticas etc.

Décadas atrás, os críticos podiam ver os lançamentos um por um – em meio aos espectadores – e produzir análises tranquilamente. Havia tempo à reflexão porque, em geral, a estreia vista segunda-feira geraria um artigo escrito terça ao jornal de quarta. Os leitores se habituaram a encontrar críticas em todos os dias da semana. Essa fase áurea naufragou na segunda metade dos anos 70, quando entrou em vigor a prática de publicar comentários sobre filmes no dia de lançamento, como ocorre até hoje com a concentração de estreias sextas-feiras.

Esse ímpeto "modernizante" começou na "Folha de São Paulo". As distribuidoras se desdobraram para promover sessões de cabine (as prévias para a imprensa) de todos os lançamentos em dois ou três dias. Como os críticos não podiam estar em vários lugares ao mesmo tempo, as editorias começaram a convocar repórteres para duplas jornadas, somando as mais diversas pautas à resenha. Com um punhado acotovelando-se na mesma página, o espaço de reflexão acabou. Resultado: as páginas de crítica veiculam textos que, na maioria, podem ser considerados "dicas" de consumo.

É a favor destas listas que saem dos “100 melhores filmes de todos os tempos”, por exemplo?

Leio, mas não me empolgam. Como diminuí minha frequência aos cinemas, deixei de participar das listas de "melhores do ano". Elas podem ser úteis para valorizar filmes esnobados pelo mercado.

Você possui a sua lista dos três melhores diretores / atores / atrizes / filmes que viu?

Meus cineastas preferidos (sem ordem de entrada em cena) são –há muito– F. W. Murnau, Charles Chaplin, Dreyer, Ingmar Bergman, Renoir, Orson Welles, Max Ophuls, Michelangelo Antonioni, Alfred Hitchcock, Kubrick, Kurosawa, DeSica, Fellini, Terrence Malick, John Ford, Kieslowski, Ozu e Clint Eastwood. Por Eisenstein tenho mais admiração que amor. E cultuo centenas de atores. Para homenagear os grandes atores "inventores" destaco dois: Lilian Gish (no silencioso) e Marlon Brando (no falado).

Rodrigo Romero
Enviado por Rodrigo Romero em 13/12/2009
Reeditado em 13/12/2009
Código do texto: T1975189
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