Última parada: Vegas (publicado originalmente em 26/11/2009)
O ator Nicolas Cage é daqueles com a carreira esburacada por hiatos de sucesso. Esta coluna já fez relatos acerca este tema em outros textos. De família cuja veia cinematográfica é questão sine qua non (e basta ver quantos Coppolas ganharam o Oscar pelo menos uma vez – Cage é sobrinho de Francis Ford), a trajetória dele é impressionante. Esses dias eu vi o que talvez possa ser seu maior triunfo: ‘Despedida em Las Vegas’ (95). Elegante, cheio de estilo, no auge de suas interpretações, domina a fita sem se esforçar tanto. Vinha de alguns trabalhos marcados pelo ostracismo e possuía no currículo somente dois brilhos, e mesmo assim foscos: ‘Cotton Club’ (84), um arremedo de ‘O Poderoso Chefão’ (72), e ‘Feitiço da Lua’ (87), quando viu sua parceira de cena, a atriz e cantora Cher, receber o Oscar da categoria. Agora seria a sua oportunidade de provar para ele próprio que tinha capacidade de emocionar plateias. Conseguiu bem.
Em ‘Despedida em Las Vegas’, Cage dá vida a Ben Sanderson, roteirista alcoólatra que, desgostoso com a vida, decide eliminá-la. O caminho: ir a Los Angeles e beber até morrer. A ideia do roteiro partiu do livro autobiográfico de John O’Brien, escritor estadunidense que cometeu suicídio em 10 de abril de 1994, um mês antes de completar 34 anos. No dia de sua morte, a produção do longa-metragem estava em seu início, com 15 dias de andamento. Mike Figgis, o diretor, cogitou cancelar tudo. Depois voltou atrás e resolveu filmar a obra como uma espécie de homenagem a J.O’Brien. No filme, o personagem de N. Cage é demitido exatamente da produção de uma película e decide dirigir a Vegas para se despedir do mundo. Lá conhece Sera (Elizabeth Shue), prostituta que morou em Los Angeles como ele. Ambos se apaixonam. Figgis imprimiu uma linha suave à trama entre sanidade e sensatez e tudo nela transpira bastante cuidado.
Num certo momento queremos proteger o roteirista, desejamos que ele não beba mais. Porém, em outro aspiramos a morte para que desta forma ele se livre das intrigas que perseguem sua cabeça. Temos dó dele e dela. Sera insiste em fazê-lo renunciar ao seu propósito. Em vão. Chega um instante da fita que sua namorada implora a sua partida. Sanderson atinge um estágio de aflição tal que não há mais jeito. Ele respeita o modo com o qual ela ganha seus trocados. Tem lá as crises de ciúme. Mas Sera o alerta de que ‘aquilo’ sustenta a casa aonde vivem. Ela também se intromete pouco nos goles dele. Como escrevi antes, tenta por obstáculos, todavia é sem força suficiente. Cada um se entrega às fraquezas. Amam-se demais deveras... Em ‘Despedida em Las Vegas’ há cenas de sexo entre o casal. Determinadas sequências foram retiradas da versão final do filme. São ocasiões específicas em que cabem a sensualidade. É outro acerto.
Elizabeth (31 anos) e Nicolas Cage (30) tinham praticamente mesma idade quando se encontraram em ‘Despedida em Las Vegas’. Eram reconhecidos por seus filmes anteriores, mas nem tanto. Com Figgis ocorria algo semelhante. Contava 46 anos e seu rol de realizações estava pobre de scripts retumbantes. O trio deu muito certo. Pelo ritmo da trama parecia que estavam construindo um instante histórico, marcante às carreiras deles. De fato, foi precisamente isto o que aconteceu. E todos saíram ganhando. Mike Figgis levou as indicações ao Oscar de direção e roteiro. Elizabeth e Cage tiveram as suas nos quesitos principais de atriz e ator. Finalmente ele conquistou a estatueta. Não tinha como o prêmio ir a outro ator.