Os Chaplins (publicado originalmente em 15/10/2009)

O cinema vive cheio de biografias. Ultimamente, por exemplo, está em cartaz a de Che Guevara e o seu intérprete Benício Del Toro. Mas recuando pouco, tivemos a de Ray Charles (‘Ray’ – 2004), Virginia Woolf (‘As Horas’ – 2002), Edith Piaf (‘Piaf: Um Hino Ao Amor’ – 2007) e para entrosar as nossas terras brasileiras, Garrincha (‘A Estrela Solitária’ – 2003) e Zuzu Angel (homônimo de 2007). Porém, quando se deseja ousar, sair dos planos retos e cinzas da mesmice, a sétima arte costuma caprichar ainda mais nos homenageados. Assim foi acerca da trajetória de Mozart (‘Amadeus’ –1984), Mahatma Gandhi (‘Gandhi’ – 1982), já comentados neste espaço, e Charles Chaplin, cuja fita será a desmembrada na coluna de hoje.

Coincidentemente ou não, coube ao diretor e ator Richard Attenborough, que também comandou as filmagens do líder pacífico indiano montar e produzir o longa-metragem sobre a lenda do cinema mudo, o de pantomima. A Robert Downey Junior coube encarnar o mito, morto havia quase 15 anos. Downey, até aquele instante, aos 27, tinha feito somente papéis em filmes B, como ‘A Mulher Nota 1.000’ (85). Para o seu respaldo, ao casting foram introduzidos os experientes Anthony Hopkins, saído pouco tempo antes do sucesso estrondoso de ‘O Silêncio dos Inocentes’ (1991), Diane Lane, Kevin Kline e Geraldine Chaplin, filha de Chaplin com Oona O’Neil, que viveria no filme a sua própria avó, Hannah. Downey, ao contrário das expectativas de que não daria conta do recado, entregou-se ao papel diretamente. O resultado assusta.

Attenborough pega como fio da meada o velho Chaplin na terceira idade contando a seu biógrafo, George Hayden (Hopkins), as suas memórias e discutindo com ele alguns pontos confusos ou obscuros da vida dele. Desta maneira, somos convidados a entrar na categórica trajetória do melhor ator do planeta na primeira metade do século 20. Vemos a mãe com distúrbios mentais. Assistimos à fome por que passa o pobre garoto com o irmão Sidney (na fase adulta vivido por Paul Rhys). Deparamo-nos com a dificuldade do começo da carreira e os intermináveis casos amorosos de Charles. Tudo revisado com a câmera atenta do diretor. A emoção de se apreciar aquela fantasia real é algo tocante. Downey imprime à sua atuação o ritmo dos insistentes. O público tem a noção do quanto C.Chaplin estava solitário no meio de um batalhão de fãs e colegas de trabalho. O artista procurava refúgios em mulheres, mas não superava as suas tristezas.

‘Chaplin’ teve três indicações ao Oscar: Downey obteve no quesito melhor ator; e a Academia pôs a película para disputar nas categorias direção de arte e música. Não levou troféus. Isto não importa aqui.

No longa, temos de volta o Chaplin artista de circo, feliz, e o Chaplin exilado na Suíça, melancólico e frustrado por ter sido expulso dos EUA por supostas ligações com o macarthismo. Podemos vê-lo nos bastidores, pronto a entrar em cena, arrebatando plateias, e tendo de lidar com empresários gananciosos e truculentos. É simultaneamente, o Chaplin que entretém milhões nos cinemas e aquele que luta na Justiça para provar que um menino não é seu filho com uma prostituta. O mundo só conheceu um Chaplin, o das comédias estilo pastelão. Por meio do filme, ficamos cara a cara com o outro Chaplin, o preocupado com os negócios das empresas, com os filhos, os relacionamentos problemáticos, a família, velhice, a morte...

Rodrigo Romero
Enviado por Rodrigo Romero em 16/10/2009
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