Entrevista de Ismail Xavier (publicada originalmente em 25/4/2007)
“O cinema é muita coisa para cada um de nós”, diz Xavier
A coluna Coisas de Cinema publica hoje uma entrevista com um homem que vive cinema 24 horas por dia. Ou quase. Se não assiste filmes, leciona sobre eles. Se não está ensinando, escreve os livros sobre a sétima arte. Quando descansa (é raro – “vida corrida”, ele me respondeu em um e-mail algumas semanas atrás), aproveita para se atualizar das novas fitas, para analisar os pretensos talentos das telonas. Assim é Ismail Xavier, um senhor de 60 anos (aparenta menos), com um vasto currículo – diga-se de passagem, invejável. Tem todos os títulos acadêmicos possíveis: professor, mestre, PhD, doutor, livre-docente, pós-doutor etc. Deu aulas, além do Brasil, nos Estados Unidos e França. Como escrevi acima, ainda teve tempo de lançar mais de dez livros desde 1977.
No questionário, que demorou cerca de três meses para ser concretizado (as trocas de e-mails foram muitas), Ismail Xavier comenta diversos temas, como a retomada do cinema nacional e a Lei do Esporte, que poderia beneficiar o setor cultural. Esta é a quinta entrevista desta coluna. As outras tiveram o diretor de cinema Cacá Diegues, o crítico de cinema Rubens Ewald Filho, o jornalista Juca Kfouri e o apresentador de TV Marcelo Tas como protagonistas.
Desde a retomada do cinema nacional, em 1994, quais são as revelações brasileiras?
É mais fácil falar dos últimos dez anos, quando houve a recuperação do cinema de longa-metragem. As revelações de diretores são Beto Brant [de “O Invasor” – 2005], Luiz Fernando Carvalho [de “Lavoura Arcaica” – 2001], Tatá Amaral, Roberto Moreira [ambos de “Antônia – O Filme” – 2006], Cláudio Assis [de “Amarelo Manga” – 2002], Marcelo Gomes, Paulo Caldas [ambos de “Cinema, Aspirinas e Urubus” – 2005], Lírio Ferreira [de “Árido Movie” – 2004] e Cláudio Torres [de “Redentor” – 2004].
Não falei em revelação no caso de Walter Salles [de “Central do Brasil” – 1998 e “Abril Despedaçado” – 2001, antes de seguir carreira internacional] porque ele começou a carreira antes. E há os documentaristas como João Moreira Salles [de “Entreatos” – 2004] e Paulo Sacramento [de “Amarelo Manga” e “O Prisioneiro da Grade de Ferro” – 2004]. Karim Aynouz [de “Madame Satã” – 2002], além de revelação como diretor, é excelente roteirista. Bráulio Mantovani [de “Cidade de Deus” – 2002] também. Quanto aos atores, a maior revelação foi Lázaro Ramos [de Madame Satã e “Carandiru” – 2004].
Qual a sua opinião sobre a Lei do Esporte, que permite às empresas deduzir do Imposto de Renda em 4% para investimentos na Cultura? Você faria adaptações nela?
Confesso que, depois da polêmica que houve, fiquei sem saber ao certo como ficou esta repartição entre o esporte e a cultura na formulação das leis de incentivo. Em minha opinião, é melhor não misturar os setores. Cada qual deve ter a sua lei própria. [O projeto foi votado dia 11 de abril e ficou decidido que os incentivos ao esporte ficarão separados das outras áreas, como cultura e tecnologia.]
Atualmente há muitos filmes cujo 'protagonista' é o efeito especial. Porque isso acontece? O público de cinema mudou? Os diretores dão mais importância ao efeito especial do que aos atores?
Isto acontece no cinema industrial norte-americano, pois a retomada dos gêneros de ação (aventura, terror, ficção científica, policial, disaster movie) foi favorecida pelas novas tecnologias digitais que facilitam a produção de efeitos com o computador. Esta relação entre o drama e as atrações pirotécnicas é algo que permeia toda a história do cinema, e toda vez que há avanço técnico os efeitos especiais ganham mais lugar.
Isto não prejudica os atores que também ganharam maior promoção com o culto da cultura física (a fitness) e estão aí a definir os modelos a serem imitados. O que isto tem a ver com a arte? Não sei. Em princípio, é negócio, mas não exclui momentos de boa arte, embora não tão freqüentes como gostaríamos.
Você escreveu vários livros sobre cinema. A pergunta pode soar tola, mas não é: para você, o que é o cinema?
Esta é uma pergunta que não tem resposta única. O cinema é muita coisa para cada um de nós, dependendo da fase da vida e das formas variadas de viver os dois lados da questão – o fascínio pelo imaginário (metade do cinema) e o fascínio pelo real (a outra metade), sendo que não sei se posso dizer ao certo onde termina um lado e começa o outro.
Rubens Ewald Filho, em entrevista a esta coluna [edição de 17 de agosto de 2005], afirmou que “o público [de cinema] emburreceu”. Você concorda com ele?
Acho difícil falar em público de cinema no singular. Para cada tipo de filme há um segmento específico. Há os amantes de Jean-Luc Godard e Abbas Kiarostami, os amantes do documentário, do filme de gênero industrial etc... Uma parcela ínfima do público, cinéfilos empedernidos, gosta de tudo. Mas não é a regra do jogo. Os segmentos do público com quem dialogo não emburreceram. Não saberia dizer o que acontece com os outros.
Tenho a impressão de que você se considera, até por força da profissão, um “cinéfilo empedernido”, como você citou antes. Sendo assim, quais são seus principais nomes na história do cinema?
Posso citar três nomes, como poderia citar outros trinta. Arte não é esporte e não há parâmetros para eleger o melhor. Gosto de Jean-Luc Godard, Michelangelo Antonioni, Orson Welles, Luiz Buñuel, Glauber Rocha, Jean Renoir, Rainer Werner Fassbinder...